Texto extraído do Jornal Folha de São Paulo - 16/05/99
Fuja das armadilhas da entrevista
"Fale-me um pouco de você." O que responder quando essa pergunta é lançada pelo entrevistador, que tem poder de lhe dar ou não um emprego?
Você deve falar sobre suas características, seus hobbies ou suas habilidades? A dúvida é normal, especialmente quando na cabeça do entrevistado, já estavam preparadas respostas para perguntas mais objetivas.
Aparentemente simples, são questões assim que deixam os entrevistados desorientados (veja dicas abaixo).
Ron Fry, autor do livro "101 Great Answers to the Toughest Interview Questions" (literalmente, 101 grandes respostas para as mais difíceis perguntas nas entrevistas), adverte: não existem perguntas inocentes.
Se perguntas assim parecem difíceis de enfrentar, imagine o que responder quando o selecionador vai mais longe e indaga, por exemplo: "Por que a tampa de um bueiro deve ser redonda?".
Segundo Luiz Carlos Cabrera, 54, sócio da consultoria PMC Amrop, há hoje a tendência de usar perguntas que exijam do candidato autoconhecimento. Para Fly, quanto mais você souber a seu respeito, maior facilidade terá para se vender.
AS QUESTÕES MAIS "TRAIÇOEIRAS"
Fale-me um pouco sobre você
Serve para ver como você lida com situações incertas e ambíguas (iguais à pergunta), se sabe se expressar bem, se é capaz de desenvolver uma boa conversa, o que pensa a seu próprio respeito e se sabe usar bem o tempo (sintetizando os argumentos). O ideal é mesclar, na resposta, aspectos profissionais e pessoais, mas sem entrar muito nos detalhes. Evite falar compulsivamente. É preciso abrir pausas para que o entrevistador interrompa e faça perguntas.
Por que você está pensando em deixar seu emprego?
O entrevistador quer avaliar se o profissional está mudando em busca de crescimento profissional ou se é um eterno insatisfeito. Outro objetivo é verificar se o candidato não está buscando um aumento salarial em seu atual emprego, argumentando que tem uma oferta de trabalho. Uma boa resposta seria: "Eu cumpri meus objetivos e agora gostaria de fazer esse novo tipo de trabalho". Não fale mal da empresa em que trabalha ou de seu chefe. O entrevistador pode concluir que você, futuramente, falará mal da nova empresa também.
Quais são seus pontos fortes e fracos?
A meta é checar o autoconhecimento, a visão crítica a respeito de si próprio. A questão não pede falsa modéstia nem exageros. Não dizer nada, ficar pensando horas no assunto ou dizer que são muitos, mas não citar nenhum, são atitudes desastrosas. O melhor é mencionar um ou dois pontos com franqueza e maturidade. Evite falar, na hora do entusiasmo, de todos os seus defeitos ou dar respostas-padrão, como "eu sou perfeccionista demais". Ao falar de pontos fracos, mostre também o que está fazendo para melhorá-los.
Por que eu deveria considerá-lo um forte candidato para a função?
O "truque" aqui é responder com firmeza sem parecer arrogante. E a melhor maneira de fazer isso é falar sobre como você agiu em situações reais (mostrando, é claro, suas habilidades para resolver a questão). Dizer que ele deveria contratá-lo porque você é inteligente e muito dedicado não tem o mesmo impacto.
O que você pretende estar fazendo daqui a cinco anos?
O objetivo é verificar se você sabe desenvolver planos, se tem objetivos e se tem ambições e uma visão realista do que pode alcançar. Ter um objetivo a longo prazo é necessário, mesmo que seja para mudá-lo no ano que vem. Pensar nos próximos dois ou três passos de carreira é razoável. E falar sobre isso adequadamente demonstrará maturidade. Perguntar ao entrevistador que perspectivas a empresa oferece é uma boa idéia.
SELECIONADORES COBRAM AUTOCRÍTICA
Na fase final do processo de seleção de uma grande empresa nacional, o candidato se depara com uma cena inesperada: o presidente da companhia entra na sala e pergunta quais as grandes besteiras que ele já fez na vida.
Depois do susto, o que se espera, dentro da cultura dessa empresa, é que o candidato fale sobre pelo menos um episódio de insucesso ocorrido em sua carreira. Com isso, estará mostrando sinceridade, assumindo que comete erros e, assim, se igualando aos demais mortais.
Segundo Luiz Carlos Cabrera, da OMC Amrop, a característica dessas perguntas é a obviedade da resposta convencional ou politicamente correta. Mas, como o entrevistador já conhece as respostas forjadas, o ideal é ser transparente e tentar inovar.
Para Sharon Borwick, consultora da Hewit Associates, os candidatos devem se preparar para a entrevista. Pensar sobre o significado real de cada pergunta é uma boa estratégia.
"Os candidatos devem, nas respostas, mostrar que se conhecem e que têm uma visão realista sobre seus erros e sucessos."
Bom Perdedor
Carlos Diz, sócio-diretor, afirma que, ao planejar a entrevista, o candidato deve ter em mente quatro pontos:
1 - O que faz questão de dizer;
2 - O que gostaria de dizer;
3 - O que deve evitar dizer;
4 - O que quer saber.
"Uma entrevista não deve ser encarada como uma queda de braço. Não há ganhador e perdedor, mas há técnicas e perguntas para obrigar o candidato a revelar certos aspectos", afirma.
Para Cabrera, as perguntas trabalham com o conceito de que o candidato fez sua "lição de casa", informando-se sobre a empresa, e que tem um projeto de carreira.
"Os entrevistadores pressupõem que o candidato faz uma auto-análise constantemente e que, portanto, não se surpreende com as perguntas. Além disso, sabe onde quer aplicar suas competências e como vai fazer isso."
Como forma de se preparar para a entrevista, o escritor Ron Fry sugere exercícios para que o candidato descubra suas características. Por exemplo: a partir dos seus jogos favoritos, pense a respeito da maneira como você joga. Será que você é competitivo demais? É um bom perdedor?
CONFIRA OUTRAS RESPOSTAS ESTRATÉGICAS
Se você pudesse começar sua carreira novamente, o que faria de diferente?
O objetivo é saber se você é capaz de aprender com os erros. Uma opção seria fazer referência ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo, mostrando como poderia ter sido benéfico para o desenvolvimento de seu trabalho antes. Não opte por respostas do tipo: "Eu gostaria de ter sabido que meu chefe não iria me promover. Assim, teria deixado o trabalho três anos antes".
Essa reação faz com que o candidato se mostre como vítima, em vez de apresentá-lo como alguém responsável pelo seu próprio caminho.
O que você ouviu sobre nossa empresa de que não gostou?
Se ouviu algo, fale disso abertamente, sempre de forma moderada e aceitando reconsiderar sua posição. Se não, diga a verdade e, se quiser, pergunte se haveria razões para isso. O entrevistador quer verificar se você é capaz de falar honestamente com ele. Mas é preciso que o candidato tenha sensibilidade e tato para responder.
Observa-se a forma como a crítica é feita. A idéia é a seguinte: "nenhuma empresa é perfeita. Será que as nossas imperfeições o incomodam? Será que você poderia contribuir para mudar essas imperfeições?"
Você tem disponibilidade para viajar?
Se a posição exige que o profissional viaje constantemente, é importante falar sobre isso. Pode ser que essa posição não tenha esse requisito, mas que as próximas exijam. Se não puder, é bom deixar isso claro desde o início e saber explicar bem os motivos. Em outras palavras: você está disposto a fazer alguns sacrifícios pessoais em função do trabalho?
Quando você pode começar?
Responder "amanhã", caso esteja empregado, pode mostrar que você não é um profissional muito justo, já que estará deixando seu atual empregador na mão de uma hora para outra. Talvez você precise de um tempo para resolver certos projetos ou pendências. Por outro lado, pode ser que seu atual empregador precise de você por mais um tempo.
Um boa resposta seria: "Preciso discutir com meu atual chefe sobre o fato de eu estar saindo da empresa e ajudá-lo a cobrir o meu lugar. Acho que estarei "a disposição em duas semanas, mas tenho de reconhecer que meu chefe (ou a empresa) me ajudou muito, e eu não gostaria de causar problemas".
O que você gosta de fazer quando não está trabalhando?
O entrevistador que verificar se você tem outros interesses além do trabalho. Eles podem revelar muito sobre a sua personalidade. Por exemplo: você prefere atividades solitárias ou gosta de estar com a família e os amigos? Gosta de atividades dinâmicas, intelectuais ou contemplativas? Fale abertamente, sem exagero, de seus hobbies e interesses e aproveite para evidenciar valores e características que podem ser relevantes para a empresa. Há outro ponto nessa questão: será que você consegue conversar de uma forma mais íntima ou não consegue deixar de ser formal?
Se você pudesse mudar alguma coisa na sua personalidade, o que seria?
A preocupação aqui é saber o que o incomoda, em que intensidade e se isso interferiria no trabalho que está sendo oferecido. Não use respostas decoradas, como: "Meu problema é que eu sou viciado em trabalho". Use essa pergunta para ganhar a credibilidade do entrevistador.
Quais dos aspectos do trabalho que o interessa menos? O que mais lhe agrada?
A intenção da pergunta é saber se você entendeu o que está sendo oferecido e se isso combina com as suas expectativas. Todos tendem a delegar mais o que não gostam de fazer. A partir da sua resposta, o entrevistador tem uma visão do peso das diversas responsabilidades da posição e tenta estimar se a sua contratação será positiva ou não. Seja sincero, pois ninguém pode gostar de tudo o que tem de fazer. Toda posição tem componentes bons e ruins.
Os melhores candidatos irão usar essa pergunta como uma oportunidade para mostrar entusiasmo em relação a alguns aspectos do trabalho oferecido. Uma resposta pobre seria: "Eu realmente não gosto de fazer tal atividade".
Você tem alguma pergunta para fazer? Há algo que queira saber sobre nós ou sobre o cargo?
É a oportunidade para o candidato se informar e tirar dúvidas. Dizer que não tem nenhuma pergunta é desastroso porque faz parecer que não tem interesse ou que não consegue pensar em nada de inteligente para perguntar. Pelas perguntas que o candidato fará, o entrevistador poderá ver se você entendeu o que lhe foi dito, se tem imaginação para se situar e se entende do ambiente no qual atua a empresa. Apesar de ser um momento aberto a perguntas, não é a ocasião de questionar sobre benefícios que a empresa oferece.
Qual sua pretensão salarial?
Permite avaliar a noção de valor que o candidato tem em relação à posição que vai ocupar. Caso não tenha idéia dos valores do mercado, não chute. É mais fácil fazer referência a seu ganho atual ou mais recente e mencionar um discreto aumento. O candidato tem de argumentar por que vale aquele salário. Ao mesmo tempo, deve mostrar-se aberto para negociar.
Você tem mudado de emprego com certa freqüência. Como podemos saber se não vai nos deixar?
O melhor é convencer o entrevistador de que a empresa tem tudo aquilo que você vinha buscando (dando exemplos), em vez de reclamar dos antigos empregos. Dessa maneira, você mostra o porquê de sua trajetória ter sido aquela. O objetivo da pergunta é entender o motivo dos desligamentos e dos pedidos de demissão e o que você está buscando profissionalmente
Se o seu chefe pedisse que fizesse algo que você acha que está errado, o que você faria?
A empresa tenta saber que capacidade você tem para lidar com uma situação difícil da vida real. Ver se sabe distinguir entre o que não é ideal e o que não é ético, se tem noção de disciplina e até que ponto. Além disso, a pergunta dá chance de o profissional mostrar seus valores (como a integridade) e se enfrentaria o chefe por uma questão ética. "As vezes, a melhor resposta é dizer que você faz questão de mostrar seu ponto de vista. Depois disso, cabe a ele decidir o que fazer. E a você, executar.
"Por que a tampa é redonda?"
Você quer ser rico? Por que a tampa do bueiro é redonda? Quantos postos de gasolina existem no Brasil? Como saber as horas se estiver perdido na floresta?
Que nome o país deveria ter se não pudesse se chamar Brasil?
Não é brincadeira. Perguntas desse tipo também aparecem durante uma entrevista ou mesmo em uma dinâmica de grupo.
Em primeiro lugar, entenda a situação: trata-se de um cenário planejado exatamente para verificar como você reage sob pressão. O entrevistador não tem nada contra você, especificamente. E não há uma resposta correta. O que vale é o raciocínio.
O escritor Ron Fry afirma que o importante é o candidato não se sentir derrotado.
O objetivo dessa entrevista, segundo ele, é justamente verificar se o profissional tem tendência a ficar frustado, deprimido ou agressivo demais.
Paulo Eduardo Vichi Padula, 28, coordenador de atendimento ao cliente da Gessy Lever, que fez cerca de 40 entrevistas na época em que se formou em administração, diz que, depois de toda essa "experiência", conseguiu entender o significado de algumas perguntas e teve indícios sobre a intenção de outras.
Mas existem algumas delas às quais, até hoje, ele não tem idéia de como deveria ter respondido.
Na questão sobre o formato das tampas de bueiros, por exemplo, Padula conta que tentou buscar a solução na simplicidade. "A forma redonda é a única que a tampa pode ter para que não caia no buraco", avalia.
Quanto à pergunta sobre quantos postos de gasolina existem no Brasil, o que se pretende é verificar o raciocínio lógico. "Claro que não dá para saber, mas tentei desenvolver um raciocínio a partir do número de habitantes ou número de carros", afirma.
TIPOS DE ENTREVISTA
ENTREVISTA DE CHECAGEM
- Geralmente é realizada entre o candidato e um funcionário de recursos humanos.
- A função desse profissional é diminuir o número de candidatos nas demais etapas. Ele segue um "script", ou seja, fala sobre os dados que estão no seu currículo e confere a veracidade das informações.
- Nessa etapa, o entrevistador tenta detectar se você é enérgico, se apresenta algum distúrbio emocional facilmente detectável, se é articulado e se parece inteligente, por exemplo.
ENTREVISTA DE TIME
- É aquela que você entra na sala, e lá, sentado em volta da mesa, um grupo de entrevistadores. A situação, invariavelmente, multiplica o nervosismo do candidato.
- A entrevista pode variar de uma prazerosa conversa a um sofrido interrogatório. Podem estar presentes sócios da empresa (ou da alta chefia), pessoas do departamento contratante, da área de recursos humanos e de setores em que você poderá trabalhar futuramente.
- Não jogue tudo para o alto ofendendo alguém ou sendo agressivo. No final, eles conversam sobre seu desempenho, para tentar chegar a um consenso.
ENTREVISTA SITUACIONAL (OU HIPOTÉTICA)
- É um bombardeio de perguntas do tipo "o que você faria se..?"
- Nesse caso, o entrevistador apresenta aos candidatos situações que poderiam acontecer no seu dia-a-dia para checar como agiriam em cada uma delas. È importante gastar algum tempo elaborando cada um dessas respostas.
ENTREVISTA "ESTRESSANTE"
- É planejada justamente para provocar o entrevistado e ver do que ele é capaz. As perguntas são disparadas aos montes, com a intenção de deixar o candidato desorientado e confuso
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