Artigo da Revista Nova de jun/96
Romance no escritório na era do Assédio Sexual
Quando ele está demonstrando interesse por você e quando se trata de assédio?
Como agir se é você quem está louca para cair nos braços do colega da mesa ao lado?
De que forma as empresas estão reagindo ao clima de atração sexual que existe nos seus corredores?
"Com aquela morena eu caso", confidenciou Ivan (32 anos, gerente geral de vendas de uma confecção de surfwear) a um amigo. A tal morena era Marina, uma vendedora recém-contratada, que ele acabará de conhecer na reunião com toda a equipe do departamento. Todos estavam trabalhando dobrado nos preparativos de uma loja nova, onde a jovem vendedora iria atuar. Por isso mesmo, Marina, hoje com 28 anos, ainda não havia notado o interesse do chefe. Um dia, Ivan ofereceu carona a ela e a outros dois colegas. Marina foi deixada por último. Na porta de casa, ele a surpreendeu com um beijo. "Só disse antes: 'Espero que você não me leve a mal' ", relembra Marina.
O chefe de Júlia, 34 anos, também acreditou que não seria mal-interpretado. Roberto, gerente financeiro de uma empresa de alimentação, dispensava elogios freqüentes, do tipo "Você está muito bonita hoje" à sua secretária. Uma noite, quando chegou em casa, Júlia encontrou o chefe à sua porta. Roberto pediu que ela entrasse no carro porque precisavam conversar. Assim que entrou, ela foi inesperadamente agarrada e beijada.
À primeira vista, histórias como as de Marina e de Júlia tanto podem ser consideradas exemplos típicos de romance entre colegas de trabalho como casos de assédio sexual. Entretanto, seus finais são bem diferentes.
Marina gostou do beijo e descobriu que também estava encantada com Ivan. Os dois começaram a namorar naquela noite mesmo e, dois dias depois, já assumiam o relacionamento na empresa, chegando juntos à festa de inauguração da loja. "Não encarei a atitude de Ivan como assédio sexual. Ele simplesmente estava interessado em mim. Há sete anos vivemos felizes juntos", afirma Marina, casada há cinco anos, com uma filha.
Júlia, porém, não estava gostando das investidas de Roberto e, ao ser abordada no carro, ficou assustada. Mesmo preferindo não denunciar formalmente o ocorrido, pediu demissão. Sentia-se constrangida em voltar a trabalhar ao lado dele.
Depois que a questão do assédio sexual passou a ser mais discutida, certos ambientes de trabalho viraram uma espécie de campo minado. Nos Estados Unidos, as denúncias são freqüentes - prova disso é que a Equal Employment Opportunity Comission (EEOC), agência federal que fiscaliza o direito de igualdade no emprego, recebe em média 12 000 queixas por ano.
Nem as personalidades são poupadas. No rol dos que já enfrentaram denúncias, estão o atual juiz da Suprema Corte, Clarence Thomas, o ex-senador Bob Packwood, e até o presidente Bill Clinton - acusado pela ex-funcionária pública Paula Jones. (O maior caso envolvendo assédio sexual da história dos Estados Unidos explodiu no começo deste ano: 30 mulheres entraram com um processo coletivo contra a Mitsubishi do estado de Ilinois, acusando-a de tolerar que seus funcionários e supervisores as acariciassem ou usassem palavras de baixo calão.)
No Brasil, sabe-se que o problema acontece nos escritórios mais vezes do que se imagina. Pesquisa realizada pelo Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo detectou que cerca de 24% das 1602 entrevistadas da categoria já haviam sido vítimas de assédio sexual. "O número é ligeiramente inferior ao apurado por um estudo americano, no qual 26% das mulheres que trabalham fora tinham sofrido esse tipo de violência, compara Leida Maria de Moraes, presidente da entidade - que, na prática, só registrou duas queixas em quase oito anos de atividade.
Diante desse cenário, há quem prefira evitar envolvimentos no ambiente de trabalho, como forma de driblar problemas e, principalmente, preservar a carreira. Nos Estados Unidos, onde um aperto de mão mais prolongado ou um braço displicente no ombro do interlocutor podem gerar retumbantes denúncias de assédio, discute-se até se um homem e uma mulher devem se reunir a portas fechadas. Mas não são necessários tanta histeria e puritanismo, defendem os que vislumbram o fim da espontaneidade nas relações entre colegas de trabalho.
O assédio existe e, sem dúvida, é reprovável. Mas também é fato que a amizade e a atração física convivem com relatórios e projetos profissionais. E por que não? Ninguém deixa em casa os hormônios e os sentimentos na hora de ir trabalhar. Portanto, não é impossível que o homem de sua vida esteja justamente ali, tão próximo, às vezes no mesmo departamento.
Quando é assédio sexual
Saber exatamente o que é o assédio sexual funciona como prevenção eficaz contra abordagens inadequadas. Segundo a EEOC, existe basicamente dois tipos. Um é chamado de "quid pro quo" - termo em latim que equivale a uma espécie de "toma-lá-dá-cá". Fácil de reconhecer, envolve a clássica situação do chefe exigindo favores sexuais em troca de segurança no emprego, benefícios e eventuais promoções.
Um caso do gênero aconteceu em Campinas (SP), em 1992, e logo ganhou as manchetes. A secretária Miriam, então com 23 anos e recém-casada, foi trabalhar em uma empresa de embalagens plásticas. Seu chefe começou a prometer presentes, como jóias e roupas, ao mesmo tempo que fazia insistentes convites para sair. Com o marido desempregado, Miriam temia perder o emprego, mas sinalizava sua vontade de não entrar nesse jogo com sucessivas recusas. Não adiantou. A secretária resolveu tomar providências drásticas. Com um minigravador escondido na roupa, conseguiu registrar as propostas indecentes do chefe, que chegou a ameaça-la de transferência ou de demissão, caso não aceitasse "partilhar um relacionamento".
Míriam recorreu aos meios legais. Apesar de todo o esforço, o caso emperrou no trâmites da justiça e terminou arquivado.
A EEOC admite que esse tipo de assédio representa apenas cerca de 5% de suas denúncias. A segunda forma inclui atitudes menos extremas, mas que criam um ambiente hostil ou desagradável no trabalho. O pacote engloba queixas contra colegas que fizeram insinuações sexuais, usaram linguagem grosseira ou mandaram mensagens eróticas.
Geralmente assédio, segundo o psicólogo e consultor de empresas paulista Alberto Araújo, pressupõe a existência do jogo de poder, explícito ou não". "e não há empate, sempre um perde e outro ganha", explica o psicólogo. A falta de reciprocidade é outro fator capaz de transformar a paquera no ambiente de trabalho em caso de polícia. Quem quer ser tocada por um homem que não lhe desperta atração? "Agora, se há consenso entre as partes envolvidas, tudo o que ocorre entre duas pessoas não interesa à empresa que trabalham", avalia o psicólogo paulista Oswaldo Martins Rodrigues Júnior, terapeuta sexual do Instituto H. Elis.
Então, como alguém pode saber de antemão o que a outra pessoa achará impróprio e inconveniente? Mais: qual é a melhor maneira de flertar no escritório e fazer o alvo tomar conhecimento de seu interesse sem enfrentar problemas? Infelizmente, não existe uma fórmula, dizem os especialistas. É preciso analisar cada situação. "Mas há regras básicas, que fazem parte da boa educação", ressalta Alberto Araújo. Ele cita o exemplo dos elogios com conotação puramente sexual, que não são bem-vindos em nenhum ambiente.
Não é proibido flertar, namorar e até casar
Um estudo indica que 90% das 500 maiores empresas americanas já enfrentaram denúncias de assédio sexual e cerca de 1/3 delas já foi processada pelo menos uma vez. Isso corresponde a muitos dólares gastos para conduzir os casos e pagar indenizações. Não por acaso, a maioria tem procurado se prevenir, promovendo seminários internos que abordam o assunto.
A proposta "não é dessexualizar o local de trabalho completamente, mas criar um ambiente antes de tudo profissional e agradável", explica Susan L. Webb, presidente da Pacif Resource Development Group, que organiza esses seminários.
No Brasil, em função das diferenças culturais, a promoção de seminário do gênero - ou o uso de outras ferramentas similares - ainda não é uma prática comum. Na pesquisa do Sindicato das Secretárias, 76,28% das entrevistadas afirmaram que não existe nenhum política de precaução nas empresas que trabalham. Mas uma tímida preocupação em separar o que é romance e o que é assédio sexual no escritório começa a emergir entre alguns profissionais. Prova disso é que a Siamar, consultoria paulista de recursos humanos que produz vídeos de treinamento, lançou há mais de dois anos o filme Assédio Sexual: Pense Duas Vezes e vem obtendo sucesso. Apesar de não revelar o volume de locações e vendas da fita, o gerente de produto Denilson Munhoz Claro garante que apreensão inicial provocada pelo tema foi superada.
Notícia boa: nossas empresas de porte não estabelecem proibições escritas ou formais impedindo flertes, paqueras, namoros e casamento entre funcionários. Xerox, Rhodia, Procter & Gamble, Gessy Lever e Amex (administradora do cartão American Express), por exemplo, não possuem cartilhas de contra-indicações. Todas admitem que seus corredores costumam ser mesmo palco para o início de romances duradouros. "Não temos restrições", afirma Durval Monteiro, gerente de comunicação da Gessy Lever. "Não impedimos namoros e casamentos, aliás, já aconteceram vários", diz Maria Elisa Nogueira, supervisora de assuntos coorporativos da Procter & Gamble.
Na opinião de Márcio Peixoto, gerente de relações trabalhistas e sindicais da Xerox do Brasil, não adianta baixar decretos internos para regrar os envolvimentos, porque eles continuarão acontecendo. O que todas as empresas consultadas esperam é que os relacionamentos não cruzem a fronteira do bom senso.
Isto é, que os casais formados em suas dependências não protagonizem situações constrangedoras ou promovam eventuais favorecimentos. Nesse sentido, uniões entre empregados que atuam sob a mesma chefia, entre chefe e subordinado diretos entre colegas de áreas estratégicas (que tem acesso a informações privilegiadas) constumam suscitar certa cautela. Se for o caso, uma das partes do casal pode ser remanejada.
Assumindo o controle da situação
Talvez a relação mais delicada no horário do expediente seja a que une chefe e subordinado diretos (independente do sexo de cada um). Quando o namoro ou o casamento dá certo, pode resultar em atitudes de proteção explícita. Foi o que ocorreu com a vendedora Marina e o gerente de vendas Ivan. "Ele me dava regalias, como folgas em alguns sábados, para viajarmos juntos. eu também acabava sabendo de informações importantes antes da subgerente da loja, o que criou um clima de fofoca e inveja insustentáveis. Passados oito meses de namoro, deixei o emprego", conta. Um rompimento do romance também pode acarretar problemas. O chefe (e ex-amor) tem o poder de transferir e até demitir a agora indesejável funcionária. Para tudo ficar bem, basta que os dois lados respeitem os princípios básicos da ética - antes, durante e depois do relacionamento.
Já quando um colega, chefe ou não, ultrapassa os limites gera dilemas: o que fazer com o incômodo? Há chances de contornar a situação sozinha, deixando é claro o tipo de relação em que você está interessada, aconselha Oswaldo Rodrigues. Use mensagens objetivas e diretas. Ou, como recomenda o folheto preventivo elaborado e distribuído pelo Sindicato das Secretárias: "Saiba dizer não quando for necessário e, principalmente, ser assertativa quando perceber qualquer atitude indesejada".
Agora, se nada disso funcionar e seu desempenho está sendo ameaçado, você deve denunciar o inconveniente ao departamento de recursos humanos e pedir providências. Em último caso, recorra aos caminhos da Justiça. Saiba, porém, que não é fácil conseguir provas cabais em casos de assédio sexual. Segundo o advogado Tales Castelo Branco, a figura do assédio sexual não consta no Código Penal brasileiro. Quando ocorre no ambiente de trabalho, pode se transformar, dependendo da evolução, em processo por perturbações da tranqüilidade - artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, que prevê prisão de até dois meses ou multa. O advogado acredita que a mulher precisa se defender acionando o "alarme" na hora da abordagem. "Acho que muitas coisas se resolvem com o presto imediato. Uma repreensão instantânea é a melhor autodefesa", prega. A consultora americana Barbara Ley Toffler aconselha usar o senso de humor. Quando esteve no Brasil no ano passado disse à revista Exame: "Se você se portar como uma vítima, eles terão o prazer de aborrecê-la. É melhor começar a rir deles".
Só que nem sempre as mulheres são assediadas e os homens, os assediadores. Com o filme Assédio Sexual, Demi Moore e Michael Douglas mostraram na ficção que os papéis podem se inverter. No mundo real, 15% das queixas da EEOC são registradas por homens.
Boas maneiras durante o Expediente |
Situações de paquera não correspondida no trabalho também devem ser tratadas com clareza e objetividade. Se você encontrou um fã louco para namorá-la, procure demostrar de forma direta e polida qual é sua intenção em relação a ele. E ponto final. Mas é possível que você experimente o outro lado da moeda: sinta-se atraída por um colega, mas não saiba como mostrar ou dizer isso a ele sem causar constrangimentos. O conselho de Alberto Araújo vale para ambos os sexos. "A pessoa tem que ser espontânea, autêntica e, mesmo que haja diferença hierárquica, não fazer uso da posição privilegiada".
Namoro entre colegas de profissão torna o trabalho mais prazeroso e até mesmo mais produtivo - a tese é defendida por Maria José Tonelli, professora de Psicologia Aplicada às Relações de Trabalho da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. Mas, para preservar o coração, nada de beijos arrebatados ou discussões por ciúmes em pleno escritório. A ordem é ser profissional todo o tempo. Tratar seu amado como um colega, porque no ambiente de trabalho é isso o que ele é. |
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