Publicado na Revista RH em Síntese, de Janeiro/Fevereiro de 1996.
Assédio sexual:
Uma bomba de efeito retardado
José, filho de Jacob, após ter sido vendido como escravo no Egito, recebeu uma "proposta indecente" da mulher de seu senhor, um alto funcionário do faraó. Assim está escrito, de onde se conclui que o assédio sexual como desvio das relações de trabalho é algo tão antigo que a própria bíblia o registra. O que está mudando, e muito rapidamente, é o final da história.
José, por ter repudiado a mulher do patrão, acabou na cadeia, forma até branda para encerrar uma relação de trabalho entre o escravo e seu senhor. E, por muitos séculos, a prisão, a pena de morte, ou a demissão, sempre aplicadas contra a vítima, continuaram sendo as formas de encerrar conflito envolvendo assédio sexual no ambiente de trabalho.
Hoje, no entanto, José teria ido a televisão. O ministro, do qual ele seria mordomo com carteira assinada, perderia o cargo. José ainda entraria na Justiça pedindo indenização por danos morais e venderia sua história para uma editora qualquer. Se fizesse tudo isso talvez não tivesse dado origem à saga dos judeus no Egito, mas teria ganho muito dinheiro.
Recente pesquisa do Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo revelou que 80% da categoria denunciaria qualquer assédio sexual que viesse a sofrer. Some-se a isso a tendência da opinião pública em responsabilizar a empresa por casos de assédios decorrentes de sua hierarquia e termos uma pálida dimensão do problema, verdadeira bomba de efeito retardado que a maioria das organizações não está preparada para desarmar.
Qualquer programa de prevenção ao assédio sexual deve começar pela criação de canais internos de denúncia, de modo que cada caso possa ser resolvido sem que a parte ofendida necessite procurar ajuda externa. Naturalmente, é fundamental que haja a disposição da empresa de intervir, punindo quando for o caso, sobretudo, orientando. Não dá para simplesmente varrer o problema para debaixo do tapete.
Outro ponto importante é delimitar em quais situações a empresa deve intervir e o que ela deve considerar como coisas normais de ambientes de trabalho onde convivem homens e mulheres. E isso, de fato, leva a uma discussão interna sobre o que efetivamente venha a ser assédio sexual, pois há muita balbúrdia e imprecisão em torno do assunto.
A definição que me parece mais apropriada é que assédio sexual só se configura quando entre as partes existe uma relação de poder. Quando se fala de uma empresa, isto significa desnível hierárquico entre assediador e assediado, capaz de propiciar chantagem. Num caso assim, a empresa realmente deve intervir diretamente, pois o poder interno foi delegado por ela, que poderá ser responsabilizada pelo mau uso deste poder.
Caberia aqui toda uma análise sobre o isolamento de quem exerce o poder. E de como isso gera a tendência nas pessoas de substituir o consentimento de trocas afetivas pela imposição autoritária, o que se constitui em matriz do assédio sexual. Neste artigo quero apenas citar este importante aspecto, para concluir que a "sindrome do isolamento" não se verifica apenas na cúpula da empresa, mas ocorre em todos os que tenham qualquer parcela de poder: do presidente ao menos importante chefe de seção.
Mas o objetivo final de um programa de prevenção ao assédio sexual será sempre criar um clima de relações humanas saudáveis. Portanto, é necessário atuar antes que os problema aconteçam, patrocinando atividades de conscientização e debate, fornecendo apoio psicológico quando for o caso.
Isso inclui também atividades de desenvolvimento humano voltadas para as chefias, de modo a se atacar a "síndrome do isolamento". Afinal, a idéia de "solidão de poder" não condiz com as modernas técnicas de administração, que privilegiam a liderança conquistada, em vez do cargo delegado, a participação, em vez da obediência.
Alberto Araújo é psicólogo, consultor de empresas e diretor do Psyko-Universal Instituto de Desenvolvimento.