Miopia de informação
19/5/2004
A miopia é um distúrbio bastante comum no ser humano. Não sou oftalmologista, mas na qualidade de míope, desde os onze anos de idade, aprendi que existem, basicamente, duas formas de resolver esse problema: uso de lentes corretivas ou cirurgia. Quem não optar por uma das duas, dependendo do grau da anomalia, não conseguirá enxergar direito à distância e precisará que alguém lhe diga o que vê. Se essa pessoa for bem-intencionada, auxiliará da melhor forma possível. Mas se for de má índole...
As coisas são mais ou menos iguais quando se trata do ato de informar, qualquer que seja a mídia: a imagem que vemos ou a informação que recebemos pode ser absolutamente verídica, mas se o contexto for omitido poderá ser leviana ou intencionalmente tendenciosa. Explico:
Vivi cerca de um ano na França, na década de 1980. Afora os jornais e revistas - que lia no consulado brasileiro -, e correspondências e telefonemas esporádicos, eu sempre aguardava alguma notícia ou imagem do Brasil, pelas emissoras de televisão locais. Só tive sucesso em cinco oportunidades:
Primeira: Um jornalista francês entrevistou o magnífico ator Grande Otelo numa espelunca patética. O entrevistado estava visivelmente alterado e mal conseguia responder as perguntas. Qual a intenção do entrevistador? Curiosamente, uma das mais cortejadas e controvertidas personalidades artísticas francesas da época: Serge Gainsbourg - mais conhecido como autor da música "Je t´aime" -, comparecia a todos os eventos públicos: embriagado, mal-vestido, falando palavrões e fumando um cigarro atrás do outro!
Segunda: Numa reportagem sobre os "bóias-frias" dos canaviais brasileiros, as cenas de pobreza e trabalho árduo eram entrecortadas com imagens de um empresário desconhecido, elegantemente trajado, num suntuoso escritório de um edifício paulistano, exaltando a pujança do mercado de açúcar e álcool. Em compensação, o governo e a alta sociedade parisiense execraram o humorista "Coluche", quando este implantou, com o apoio de outros artistas famosos, os "Restaurants du Coeur" (Restaurantes do Coração), destinados a oferecer calor e alimento aos sem-teto da capital francesa, que, descobriu-se, não eram poucos!
Terceira: Um comediante francês veio ao Brasil, especialmente para cobrir o Carnaval. Deu ênfase exagerada à nudez das passistas! Alguém, aí, já ouviu falar do Carnaval de Nice? Que o "top-less" é praticado sem problema nas praias francesas? Já passeou em Pigalle?
Quarta: Jorge Amado recebeu uma homenagem da Universidade de Aix-en-Provence. Sua obra era considerada como "retrato fiel" do Brasil! Por analogia: ele estava, para a França, como Carmem Miranda, para os EUA. Mas somos todos como os personagens de Amado ou usamos mangas bufantes e chapéus de frutas, como Carmem?
Quinta: A Copa do Mundo de 1986.
Todas eram, parcialmente verídicas, mas qual poderia ser a imagem dos franceses sobre o Brasil a partir dessas informações? Qual o real objetivo dessa "miopia informativa"? Nós somos assim ou é assim que querem que sejamos vistos?
A informação é um bem de valor inestimável! Deve, portanto, ser fornecida com idoneidade e responsabilidade, pois um boato, uma meia-verdade, uma leviandade ou uma intriga pode desestabilizar governos e países, deixar mercados "nervosos", além de levar ao desemprego e morte. Será que polêmica e notoriedade pessoal valem esse preço! Além disso, depois do "estrago" feito é difícil voltar atrás. Na maioria dos casos, não há retratações formais, direitos de resposta ou indenizações pecuniárias que compensem os danos provocados! E não adiante culpar a "fonte", pois é de responsabilidade de quem vai a ela verificar se é "potável", ou melhor, "pautável"!
Um antigo programa humorístico de rádio, num de seus quadros, representava uma emissora interiorana, que usava o seguinte bordão: "- Quando num tem notícia, nóis inventa!". Para alguns maus jornalistas – e maus profissionais existem em todas as profissões! - isso é norma e meio de vida. Infelizmente, há quem lhes dê crédito, financiamento e cumplicidade; e não são apenas os tablóides sensacionalistas... Mas para quem acredita que a imprensa deve estar a serviço da democracia está claro e nítido que ela precisa ser como uma lente corretiva para a sociedade. Deve estar a serviço da verdade, pela verdade e para a verdade, sem tutelas ou patrulhamentos! Se não o fizer ela não passará de mais um elemento de manipulação, manutenção ou agravamento dessa "miopia", a serviço, quase sempre, de interesses escusos!
Viva a liberdade de expressão! Mas viva também a idoneidade, a responsabilidade e o compromisso com a verdade de quem a exerce!
Adilson Luiz Gonçalves - Engenheiro, Professor Universitário e Articulista - algbr@ig.com.br
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Fonte: www.diap.org.br
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