DIVERSOS

Matéria publicada no Jornal OESP de 7/12/2000
São antigas as profissões do futuro

Roberto Macedo

Quais as profissões do futuro? A grande maioria delas serão as mesmas de hoje. Vamos continuar precisando de médicos, engenheiros e advogados, de pintores, encanadores e eletricistas, de faxineiros, porteiros e zeladores de prédios, para mencionar apenas umas poucas, que fazem parte do dia-a-dia de nossas vidas.

O que muda mais são as formas de trabalhar, em face do avanço da ciência e da tecnologia. Um médico de décadas atrás não sabia nada de AIDS, nem de tomografia computadorizada; um encanador não tinha plásticos á sua disposição; um zelador ignorava elevadores. Nosso herói maior, o Tiradentes, se ressurgisse hoje, seria o Tratadentes, ou simplesmente o dentista Dr. Xavier.

De fato, algumas profissões desapareceram ou tendem a isso, como linotipistas, datilógrafos e desenhistas de prancheta. Outras surgiram, como digitadores, operadoras de "telemarketing" e "webdesigners", estes os profissionais que preparam páginas da Internet. Contudo, a estabilidade das profissões é claramente percebida, pois é muito mais fácil mencionar as que permanecem do que listar as que desapareceram ou surgiram. Algumas nem mesmo são novas, mas tão somente ocupações modernas exercidas por profissões já conhecidas, assunto que voltarei a abordar mais adiante.

Quem se confunde muito com essa conversa de profissões do futuro são os jovens em fase de escolha de carreira, em especial os do ensino médio às voltas com a opção no vestibular. Numa idade em que a insegurança e a ansiedade são típicas, exige-se deles uma escolha precoce, com base em informações e orientações fragmentadas sobre o mundo da educação e do mercado de trabalho. Nesse quadro vem o bombardeio da mídia que informa ou especula sobre novas profissões, mas em geral de forma superficial, pois que mal fundamentado no conhecimento do mercado de trabalho e de suas tendências.

Nesse mercado, que muda mais são as ocupações, ou seja, o leque de funções, cargos ou atividades que nele podem ser exercidos por quem já tem a sua profissão. Em geral, as ocupações têm requisitos educacionais expressos sob a forma de diplomas - digamos, de engenheiro civil - que também designam os profissionais que os possuem. Uma mesma ocupação, entretanto, pode ser exercida por vários tipos de profissionais. Por exemplo, para vagas de Analista de Crédito e Cobrança, anunciadas nos jornais, as empresas costumam mencionar diplomas de Contador, Economista ou Administrador. Muitas vagas, entretanto, são preenchidas por gente que, dentro das empresas, foi evoluindo de uma ocupação para outra, por conta de suas próprias características ou de oportunidades surgidas. Assim, engenheiros, advogados, matemáticos e outros, também podem chegar a uma ocupação como essa.

Um profissional qualquer pode exercer um amplo leque de ocupações, típicas de sua área profissional ou não. Aqui no Brasil, entretanto, o jovem é levado a acreditar que vai trabalhar especificamente naquilo que estudou, tratando-se profissão e ocupação como sinônimos, quando o grau de parentesco pode ser próximo, longínquo ou mesmo inexistente. Daí também a ansiedade quanto a profissões novas, que poderia ser contida com melhores informações. Aliás, o mercado editorial está cheio de dicionários e listagens de profissões, quando o que deveria ser mostrado é o quadro mais amplo de ocupações e dos requisitos educacionais de cada caso.

Voltemos agora às tais profissões novas. Num primeiro estágio, antes de se consagrarem como profissões e requisitos educacionais próprios, o que pode até não acontecer, elas constituem ocupações preenchidas por profissionais de várias áreas. Como "webdesigner", por exemplo, podem trabalhar engenheiros, arquitetos, desenhistas e até mesmo ex-"office-boys" que começaram clicando o computador por outras razões, e enveredaram pelo novo ramo. Para dar outro exemplo, o que é um astronauta? Os que conduzem as naves são pilotos de aviões treinados para a nova ocupação, e carregam, também como astronautas, engenheiros, fisicos, cientistas e especialistas de todo o tipo.

Pela lógica do nosso sistema de ensino, astronautas e "webdesigners", seriam profissões novas, e caminharíamos na direção de faculdades oferecendo cursos de graduação nessas áreas, pelo qual passariam aqueles que sonham em trabalhar nelas, sem saber que podem chegar lá pelos caminhos das antigas profissões. Aqui, cursos como "Administração de Serviços e Comércio Eletrônico" já surgem na linha de equívoco semelhante.

Para contornar a incerteza quanto ás tais profissões novas ou do futuro, o remédio tem dois nomes: competência e flexibilidade. Competência para aprender e aprender a aprender, dominando e atualizando os conhecimentos exigidos pela carreira ou profissão escolhida, que pode ser bem uma das antigas, que aliás têm a vantagem de serem consagradas, sem o risco dos modismos efêmeros. Flexibilidade, para assimilar conhecimentos novos, na mesma profissão ou fora dela, e para buscar outras ocupações, novas ou antigas, típicas ou não da profissão escolhida.

Usando a metáfora de um livro que escrevi sobre o assunto, no mundo do trabalho navegamos, como um surfista, com a nossa competência como tal, mais a prancha, diploma ou profissão que escolhemos. Não temos, contudo, controle sobre as ondas de oportunidades que surgirão, nem mesmo se elas virão na praia profissional escolhida. Especular sobre as profissões do futuro é como teorizar sobre as ondas que virão. O correto é estar preparado para enfrentá-las, independentemente de suas características.

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Roberto Macedo, economista, 'e pesquisador da FIPE-USP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
E-mail: roberto@macedo.com