Socorram nossas mulheres!
A falta de Delegacias de Defesa da Mulher em muitos municípios favorece a impunidade. A prova disso foi que nos últimos 17 anos, mais de 500 mulheres foram assassinadas no Ceará, por seus maridos ou companheiros
Eliany Nazaré Oliveira
Maria Salete Bessa Jorge
Francisca Júlia dos Santos Sousa
Enfermeiras
A violência representa, hoje, uma das principais causas de morbimortalidade, especialmente na população jovem, atingindo crianças, adolescentes, homens e mulheres. No entanto, uma análise mais cuidadosa das informações disponíveis mostra que a violência tem várias faces e afeta, de modo diferenciado, a população. Enquanto os atos violentos contra os homens ocorrem geralmente no espaço público, a mulher é vítima, com maior freqüência de um outro tipo de violência: a doméstica, tendo como agressor o marido ou companheiro, conforme o caso.
Na Idade Média, os maus-tratos inflingidos às mulheres eram tolerados e até enaltecidos, como práticas voltadas para corrigir suas manhas e erros. Já no século XV, começaram, porém, a ser registrados protestos, gerando mudanças no comportamento jurídico que passava a punir e condenar os maridos que agiam com brutalidade extrema, cometendo violências graves contra suas esposas.
A consciência de que a violência praticada contra mulheres é absurda e deve ser erradicada, começou, no Brasil, a partir da luta das feministas, principalmente nas décadas de 70 e 80, quando estas saíram às ruas para protestar, empunhando bandeiras e gritando contra a impunidade dos agressores nos denominados ''crimes de paixão''.
Dados recentes mostram que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica, segundo levantamento da Sociedade Mundial de Vitimologia, com sede na Holanda. De acordo com dados mundiais, o risco de uma mulher ser egredida em sua própria casa, pelo atual ou ex-companheiro, é nove vezes maior do que o de sofrer alguma violência na rua, fora do âmbito familiar. As estatísticas revelam que em 1997, no Rio de Janeiro, foram registradas 5.098 ocorrências de violência doméstica por mês, ou seja, 170 novos casos de agressões por dia. Isso significa que a cada hora, há sete mulheres em situação de violência, segundo relatório do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, do Rio de Janeiro.
No Estado do Ceará, segundo matéria publicada em jornal de grande circulação, 30 mulheres, em média, procuram diariamente a Delegacia de Defesa da Mulher, em Fortaleza, para denúncia de maus tratos. No interior do Estado, praticamente inexistem instituições que defendam os direitos das mulheres, às quais poderiam elas recorrer, em caso de agressão. Os poucos municípios que contam com Delegacia de Defesa da Mulher, ou com outra instituição do gênero, ainda são pouco conhecidos da população, o que favorece a impunidade. A prova disso foi que nos últimos 17 anos, mais de 500 mulheres foram assassinadas, no Estado do Ceará, por seus maridos ou companheiros.
Em todas as sociedades, em maior ou menor escala, as mulheres e as meninas estão sujeitas a atos de violência de natureza física, sexual e psicológica, sem distinção quanto ao seu nível de renda, classe ou cultura.
Segundo o Banco Mundial, pelo menos 20% das mulheres já foram vítimas de algum tipo de violência física ou sexual. Um informe oficial norte-americano, calcula que, a cada 15 segundos, uma mulher é espancada, enquanto 700 mil são vítimas de violência por ano no mundo.
Mais de 40% das mulheres casadas afirmam ter sofrido algum tipo de agressão sexual, enquanto que no Egito, 30% confessam ter sido espancadas por seus maridos. Milhares de mulheres no Paquistão foram assassinadas, em nome da honra. Os assassinos, em geral pais, irmãos ou maridos, quando chegam a ser presos cumprem pena inferior a um ano e recebem o perdão oficial ou informal da sociedade.
Na França, desde 1980, o ato sexual praticado pelo casal, sem o consentimento da mulher, constitui crime de estupro. No Brasil, a prática do estupro em que o marido é o autor, é desconsiderada legalmente. Há apenas duas décadas é que foram incorporadas ao Judiciário medidas contra atos de agressão à mulher. É de se acreditar que a principal causa das elevadas estatísticas de violência, em todo o mundo, seja em decorrência da impunidade que ainda impera nesses casos.
A violência do homem contra a mulher com a qual convive, em regime conjugal, representa, além dos aspectos políticos, cultural, policial e jurídico, um problema de saúde pública, não apenas por suas proporções numéricas, mas também pela constatação crescente de que a violência de gênero está associada a um maior risco para diversos agravos à saúde física e mental, isso sem contar com os traumas físicos que levam a mulher, com freqüência, a buscar os serviços de saúde.
O Brasil é um desses países onde a violência exerce impacto significativo sobre o campo da saúde, acarretando elevação do consumo desses serviços. Mulheres vítimas de violência doméstica apresentam, não raro, um nível elevado de depressão psicológica, acumulam mais idéias de suicídio do que aquelas que não sofrem violência, e enfrentam, com maior intensidade, períodos de irritabilidade e nervosismo, bem como se mostram mais freqüentemente deprimidas, confusas e com perda de memória.
As mulheres, da mesma forma que os homens, padecem de afecções semelhantes, embora de maneira diferente. A incidência da pobreza e a dependência econômica da mulher, sua experiência com a violência, as atitudes negativas para com o gênero, incluindo meninas, adolescentes e a discriminação racial e outras atitudes discriminatórias, o controle limitado que muitas mulheres exercem sobre sua vida sexual e reprodutiva, bem assim a sua falta de influência na tomada de decisões, são realidades sociais que têm efeito prejudiciais sobre sua saúde.
É necessário que, além de reconhecer a violência como um problema de saúde pública, o governo, através dos serviços de saúde, possa traçar estratégias para enfrentá-lo, tal como faz quando quer resolver outros problemas de saúde pública.
Eliany Nazaré Oliveira é enfermeira, coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa Sobre Violência, mestra em Enfermagem e Saúde Comunitária e professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
Maria Salete Bessa Jorge é enfermeira, doutora em Enfermagem Psiquiatria e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece)
Francisca Júlia dos Santos Sousa é enfermeira, coordenadora do Projeto Trevo e técnica da Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral |