Violência, Ideologia e Gênero
Eliany Nazaré Oliveira (1)
Maria Salete Bessa Jorge (2)
As violências contra as mulheres estão presentes em todo o mundo e em todas as classes sociais. Expressam-se de forma direta e contundente nos casos de espancamentos e assassinatos. Formas indireta e mais sutis caracterizam-se nos casos de violência simbólica e outras modalidades violência. As mulheres, assim, vivenciam um conjunto de práticas discriminatórias que se inicia com o nascimento, e continuam com as práticas de socialização através da família e da educação.
Para Dornelles (2002) neste contexto existe a reprodução ideológica - inclusive através da própria mulher - é fundamental na continuidade destas práticas e deste posicionamento de subalternidade e submissão das mulheres, numa sociedade historicamente patriarcal. Enquanto as meninas são, em todas as sociedades (com diferenciações quanto à forma e a intensidade), educadas, formadas e adestradas para desempenharem o papel de "mãe", de assistência à prole, de reprodutora, de organizadora do lar - a chamada "Rainha do Lar" - , aquela que ocupa o espaço privado, o menino é preparado para o espaço público, para ocupar a posição de mando, ter o poder de tomar decisões sobre a vida, a existência e o conjunto da sociedade. O homem era o guerreiro, o sacerdote, o chefe, aquele que se apropria do conhecimento, dos bens materiais, dos despojos de guerra, das mulheres. Aquele que se apossa da fêmea na disputa com os outros machos e que, consolidada a conquista da "presa", assume o papel de "protetor". Esta mesma lógica das sociedades primitivas permanece - mesmo que atenuada - nas sociedades contemporâneas, mesmo as urbano-industrial onde as mulheres ocupam espaços públicos, conquistam direitos e cidadania, poder econômico e independência. É só observarmos as inúmeras violências do cotidiano contra as mulheres urbanas, como o tratamento diferencial, o tradicional machismo travestido de gentileza, a existência da chamada "dupla jornada de trabalho", os assédios sexuais, o tratamento dos meios de comunicação de massa, e a utilização de uma imagem distorcida da mulher, ou a sua visibilidade "míope" no espaço social.
As mulheres ao se inserirem na sociedade em busca de liberdade e emancipação, muitas vezes acabam por exercer uma conduta tipicamente masculina, com o exercício "masculino" do poder. Representando a reprodução ideológica de um modelo. Um modelo que retira dos seres humanos - mulheres e homens - a capacidade de reflexão crítica sobre os seus papéis. Um modelo que fragmenta a humanidade e que faz de cada ser humano um ser descartável. E nesse processo de perda da essência humana, todos perdem a sua essência "feminina". Perdem, portanto, parte de sua singulariade/humanidade. Ao prevalecer o caráter "masculino" dos seres humanos - sejam homens ou mulheres acaba-se por reproduzir um modelo, mesmo que sejam ampliados os espaços para conquistas de direitos para as mulheres.
Não se trata de reproduzir o modelo "masculino" de existência, com as mulheres ocupando sozinhas, ou em conjunto com os homens, as posições de mando, de poder e de opressão, como não se trata apenas de ampliar as oportunidades para as mulheres. Neste cenário a perspectiva de gênero obriga a uma reflexão real sobre a transformação social, sobre a revolução, sobre uma mudança radical de atitudes, sobre novos paradigmas, novas referências, novos valores, um novo modelo de sociedade, abrangendo a totalidade da realidade social. Trata-se, portanto, de percebermos o papel fundamental que desempenha a luta ideológica na desconstrução do modelo existente, que tem provado ser, excludente, marginalizador, machista, discriminatório, opressor e explorador (não apenas em relação à mulher, mas aos negros, índios, jovens, velhos, ). A luta ideológica, assim, passa a ser fundamental quando olharmos a transformação social com uma perspectiva de gênero.
Nossos esforços devem ser direcionados para a construção de novos paradigmas, com base na solidariedade. Ou seja, uma nova hegemonia que tenha fundamento nos princípios de direitos humanos, onde mulheres e homem possam ser concebidos e tratados de forma igual em suas especificidades.
1. Enfermeira, Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú -UVA e Membro do Conselho dos Direitos da Mulher de Sobral.
2. Enfermeira e Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará - UECE |