DIVERSOS

Violência, sofrimento e adoecimento

No Brasil, de cada cinco mulheres, três já sofreram algum tipo de violência. É um drama vivido indistintamente tanto pelas classes mais altas como pelas mais baixas

Eliany Nazaré Oliveira
Maria Salete Bessa Jorge
Enfermeiras

A violência contra a mulher, atualmente denominada violência de gênero (violência contra a mulher na vida social privada e pública), ocorre tanto no espaço privado quanto no locus público e pode ser cometida por membros familiares ou pessoas outras que vivem no mesmo domicílio (violência doméstica); ou por pessoas sem relação de parentesco e que não convivem sob o mesmo teto. A violência de gênero, em seus aspectos de violência física, sexual e psicológica, é um problema ligado ao poder, onde, de um lado impera a dominação dos homens sobre as mulheres e de outra parte a ideologia dominante, que ajuda a legitimar essa relação desigual, afetar a mulher tanto no espaço público (na rua, no trabalho) como no âmbito privado (em casa, no lar).

No Brasil, de cada cinco mulheres, três já sofreram algum tipo de violência. É um drama vivido indistintamente tanto pelas classes mais altas como pelas mais baixas. Apesar dos avanços, ainda é difícil para muitas mulheres denunciar a violência que sofrem, em especial, no próprio domicílio. Essa dificuldade advém de vários motivos: sentem-se emocional e financeiramente ligadas ao agressor, sentem-se culpadas e envergonhadas; acreditam que ''ele vai mudar''. As etapas são geralmente as mesmas: começa com aquele clima de horror, as ofensas e gritos; depois, vem a agressão física; em seguida, as desculpas e juras de amor, seguidas da reconciliação. Estudos demonstram que o ciclo se repete: tensão, agressão cada vez mais violenta, pedido de perdão, prazeres, tensão. Muitas vezes esta espiral de violência termina com assassinato da mulher.

A violência, pelo número de vítimas e a magnitude de seqüelas emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública em vários países. O setor saúde constitui a encruzilhada para onde confluem todos os corolários da violência, pela pressão que exercem suas vítimas sobre os serviços de urgência, de atenção especializada, de reabilitação física, psicológica e de assistência social.

Vários estudos tem mostrado que a violência debilita a saúde mental dos envolvidos no processo, neste cenário as mulheres são uma categoria importante do processo de sofrimento e adoecimento. Existem evidências de que as conseqüências psicológicas do abuso são ainda mais graves do que seus efeitos físicos. Freqüentemente, a experiência do abuso destrói a auto-estima da mulher e a expõe a um risco muito mais elevado de sofrer problemas mentais, incluindo-se depressão, estresse pós-traumático, tendência ao suicídio e consumo de substâncias, como tranquilizantes e álcool. Alguns pesquisadores sugerem que a maior parte das diferenças entre os índices de depressão de homens e mulheres decorre não das diferenças biológicas, mas da pobreza, da discriminação baseada no sexo e da violência.

De acordo com estudos realizados na Austrália, Nicarágua, Paquistão e EUA, as mulheres agredidas por seus parceiros apresentam mais casos de depressão, ansiedade e fobias do que as mulheres não submetidas a agressões. Ainda conforme estudos realizados em alguns países, as mulheres que sofrem maus-tratos têm seis vezes mais probabilidade de apresentar distúrbios do que aquelas não submetidas a agressões. Nos Estados Unidos, por exemplo, as mulheres maltratadas por seus parceiros têm de quatro a cinco vezes mais probabilidade de necessitar de tratamento psiquiátrico do que as demais não sujeitas a essa prática. Em relação ao suicídio, as mulheres agredidas possuem mais chances de chegar ao esgotamento emocional e físico, gerando muitos casos de autocídio.

As invisibilidades sociais de alguns problemas são responsáveis por políticas públicas superficiais e inconsistentes, porque a causa da dificuldade não faz parte dos planos de intervenção; os sintomas assumem a prioridade nas agendas dos gestores e, com isso, aparecem mais doenças e maior necessidade de intervenções. Sob essa lógica, a violência tem sido responsável por uma demanda crescente de atendimento nos serviços de saúde, fazendo parte da invisibilidade social ora mencionada, porém, os trabalhadores da saúde não a percebem como elemento que necessite de cuidado e acolhimento. É como se a violência estivesse fora de seu campo de intervenção. Entretanto, a violência leva ao sofrimento psíquico e ao adoecimento.

Mulheres em situação de violência freqüentam com assiduidade os serviços de saúde. Em geral, apresentam ''queixas vagas'' e, muitas vezes, os exames não apontam resultados alterados. Por isso, é importante que haja um trabalho multiprofissional nos serviços de saúde, de forma que qualquer profissional - da auxiliar de limpeza ao médico ou médica - esteja preparado a ouvir com atenção e respeito os problemas da usuária. Junto a esse atendimento, é preciso que se desenvolva a articulação dos serviços de saúde com outros, tais como casas-abrigo, delegacias da mulher e escolas, cabendo ao profissional de saúde diagnosticar, orientar e encaminhar a mulher em situação de violência.

Devemos ter claro o fato de que a viabilização dessas ações dependerá da preparação e habilidade dos profissionais de saúde, e estas nem sempre são as ideais. Outro ponto a ser ressaltado é a rede de equipamentos disponível local. À falta de tais meios, sugerem as vulnerabilidades no manejo com mulheres vítimas de violência que chegam ao serviço de saúde.


Eliany Nazaré Oliveira é enfermeira e professora do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e membro do Conselho dos Direitos da Mulher de Sobral

Maria Salete Bessa Jorge é enfermeira e professora Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará (Uece)