A Secretária
Sentada à máquina de escrever lá está ela a datilografar. De suas hábeis mãos sairá um importante relatório, sem nenhum erro. De datilografia.
Enquanto isso, seu pensamento voa. O que será que ela está pensando? Tac Tac Toc Trim Trim.
O telefone toca. Ela interrompe calmamente sua datilografia e atende serenamente ao chamado sonoro. Ouve com paciência. Fala pausadamente. Termina a conversa. Recoloca o fone no gancho.
Levanta os olhos. Há uma pessoa a sua frente clamando por alguma coisa. Sorridente, responde às perguntas que lhe são dirigidas. A pessoa se vai, satisfeita com a atenção recebida.
Gira sua cadeira voltando-se para a máquina de escrever silenciosa, que, sem o talento de suas mãos, não funciona. Lança, então, seus dedos sobre o teclado da máquina de escrever. Quando tenta imprimir a primeira letra da primeira palavra da primeira linha do relatório que anteriormente estava datilografando tão rapidamente - ela sabe exatamente onde parou porque usa uma régua para guiá-la na reprodução tipográfica das mal traçadas linhas dos manuscritos - um som sonoro tira-lhe novamente a concentração da datilografia.
Pelo interfone o chefe reclama de um documento desaparecido. Ela se levanta de sua cadeira, com postura, e dirige-se a sala dele para tentar ajudá-lo na sua busca frenética. Ela recebe a ordem de procurar o documento desaparecido em seu arquivo, pois o chefe tem certeza de que em suas coisas não há lugar para documentos desaparecidos. De antemão, ela já sabe que não está com ela o documento. Senta-se em sua cadeira sem se irritar. Ela não pode. Consulta seu livro de registro. Ele lhe dirá a verdade.
Trim Trim. Novo chamado telefônico. Para trás a datilografia ficou e o documento perdido, também. O superior hierárquico, irritado, quer falar com seu subordinado imediatamente. Um minutinho e ela toca a campainha para despertar o chefe de sua procura sem fim. Informado de quem quer lhe falar, ele nega-se a atender seu superior, por motivos não especificados - entretanto, ela sabe que seu chefe evita falar com o chefe dele por considerá-lo um chato. Tranqüilamente, ela volta a falar com o interlocutor irritado. O chefe do chefe desliga o telefone calmo. Acreditou na desculpa dela e passa a ver com bons olhos seu subordinado.
A agenda sobre a mesa mostra que é hora de lembrar o chefe de um compromisso. O rapaz trazendo a correspondência descarrega envelopes e papéis de diferentes tipos e formas em sua caixa de entrada. Ela lhe sorri. O rapaz sai da sala contente. Trata-se de uma pessoa educada, pensa o rapaz.
Ela se levanta, pega uma pasta do armário cheia de documentos importantes para serem discutidos na reunião e a entrega para o chefe. Ele usará essa pasta em seu compromisso.
Ele veste seu paletó, pega sua caneta preferida, e dirige-se à porta. A pasta ficou sobre a mesa, esquecida. Muito solicita, ela apressa-se para entregar-lhe a pasta esquecida, porém, muito importante. Ele se lembra, então, do documento perdido e como ficaria contente se ela o encontrasse. Ainda mais contente ficaria ele, se ela terminasse, ainda hoje, o relatório, as três cartas, as comunicações internas, etc. etc. etc. etc. e, além disso, que desmarcasse o horário com o dentista porque hoje ele já estava vendo, não teria mais tempo para nada - talvez nem para corrigir o relatório encalhado na máquina de escrever e que agora passou a ser prioridade número um.
Sentada novamente à mesa, abre, agora, cuidadosamente, a correspondência, selecionando-a, registrando-a e colocando-a numa pasta. Entra na sala do chefe para colocar a correspondência do dia sobre sua mesa. Com um rápido olhar pela sala de seu chefe ela descobre o documento desaparecido. Coloca-o sobre a mesa dele em destaque.
Volta à sua mesa e tenta terminar o relatório. Alguém muito importante pede para ela providenciar algo. É urgente. Tudo que lhe pedem é sempre urgente. Seu texto está quase totalmente datilografado, porém, seu trabalho precisa novamente ser interrompido. Não há ninguém nesse momento na sala que lhe possa ajudar.
Trim trim toc tac por favor toc tac será que daria para é para agora largue tudo o que esta fazendo venha até aqui.
Final de expediente. Seus colegas de trabalho vão embora. Seu chefe ainda está trabalhando a todo vapor. Ela não sabe se pára ou se continua a trabalhar. Vai trabalhando. De repente o chefe sai de sua sala dizendo-lhe até amanhã. Sem mais nem menos.
Agora ela pode ir para casa. Descansar. Mas antes ela ainda tem que providenciar o fechamento do escritório e deixar algumas coisas engatilhadas, ou, caso contrário, ela terá que entrar mais cedo no dia seguinte.
Chega em casa e pensa em seu dia de trabalho. Sente-se muito importante. Afinal, ouviu muitos "muito obrigado". Mas, de noite bate um vazio. Algo não está certo. Não sabe o que é. E pensa, pensa. Reflete. Pega no sono. E dorme. Amanhã é outro dia. De trabalho.
Elisabeth Virag Garcia
Secretária bilíngüe, professora de redação comercial, autora dos livros Noções Fundamentais para a secretária (Summus, 1991) e Muito prazer, sou a secretária do senhor... (1999)
* Classificado em 3º lugar no "II Concurso de Contos" promovido pela Prefeitura Municipal de São
Caetano do Sul em 1991
|