Publicado na Gazeta Mercantil de 24 de agosto de 1999
CAÇA AS SECRETÁRIAS
Valoriza-se a "gerente do gerente"
Os "headhunters" brasileiros estão descobrindo um novo nicho: buscar secretárias de alto nível para assistir executivas de primeira linha.
A secretária de hoje, investida em funções de maior responsabilidade, tornou-se "gerente do gerente", uma assessora extremamente qualificada, fluente em vários idiomas, hábil comunicadora e perita em programas de computador. Capaz até mesmo de substituir seus chefes em certas ocasiões. Além de algumas vezes assumir a administração de todo o escritório, do suprimento de papel, água e café à manutenção dos equipamentos.
Com tais predicados, o trabalho dessas secretárias aproxima-se das funções tipicamente gerenciais. Assim, nada mais natural do que o recrutamento dessas profissionais de alto nível seja feito por meio de consultorias especializadas, cujo trabalho, se não tem o charme nem os cifrões dos "headhunters" de executivos, é uma reprodução exata do que ocorre no andar de cima. As caçadoras de secretárias são pagas, como os executivos, para não errar.
A fim de reduzir as chances de erro, elas se esmeram. Contratam professores para aplicar exames de proficiência em línguas, entrevistam pessoalmente o executivo e procuram conhecer cada detalhe da vida das candidatas. Todo o trabalho é personalizado. "Só assim podemos oferecer um serviço de qualidade", diz Astrid Rizzi Pike, pioneira do mercado, que há 25 anos faz recrutamento de secretárias de alto nível.
SECRETÁRIA VIRA ALVO DE HEADHUNTERS
Novo perfil das profissionais tornou sua seleção tão especializada quanto à de seus chefes
O presidente de uma grande empresa precisa de secretária que fale inglês, espanhol e, se possível, uma terceira língua, que domine as ferramentas da informática, tenha experiência em companhias de primeira linha e conhecimento de negócio. Além disso, a futura assessora deve ser organizada, ativa e discreta. Para chegar a essa pessoa tão especial, que será seu braço direito no escritório, ele pode chamar seu diretor de RH. Ou apanhar a agenda, sacar o telefone do gancho e discar. Não importa quem fará a ligação. Do outro lado haverá uma pessoa atenciosa e detalhista, com precioso banco de dados e ótimos contatos, que sabe pôr a mulher certa no lugar certo. Um "headhunter" que, em vez de caçar executivos para posições estratégicas, dedica-se a procurar no mercado secretárias de alto nível para assisti-los.
Essa atividade cada vez mais ganha espaço no Brasil. Com a mudança do perfil das secretárias, o número de vagas reduziu-se as empresas passaram a ser mais seletivas. Em alguns casos, uma só auxiliar trabalha para vários chefes. Fazer a escolha certa tornou-se, portanto, uma necessidade. "Chegaram a dizer que a informática seria o fim das secretárias, mas ocorreu o contrário", avalia Ana Irena Kramer, da MK Secretary Search Consultants, uma dessas "headhunters" especiais.
De fato, a secretária de hoje, investida em funções de maior responsabilidade, tornou-se a "gerente do gerente", assessora extremamente qualificada, fluente em vários idiomas, hábil comunicadora e perita em programas de computador. Capaz até mesmo de substituir seus chefes em certas ocasiões. Quando não cabe a elas administrar a vida de todo o escritório, do suprimento de papel, água e café à supervisão de motoristas e "office boys". Ou chegar a postos ainda mais altos. "Quem mostra eficiência e preparo pode ser promovida, no futuro, a cargos de gerência ou diretoria", diz Ana Kramer.
Com tais predicados, seu trabalho aproxima-se das funções tipicamente gerenciais. Nada mais natural que o recrutamento dessas profissionais de alto nível se faça como o dos chefes, por intermédio de consultorias especializadas, cujo trabalho, se não tem o charme nem os cifrões dos "headhunters" de executivos, é uma reprodução exata do que ocorre no andar de cima.
Cópia tão fiel que eles próprios, os caça-talentos, valem-se do serviço. Entre os clientes das empresas especializadas no recrutamento de secretárias não é difícil encontrar representantes da indústria de busca de executivos do porte e tradição de Korn/Ferry e Egon Zehnder e Fesa.
Tudo começou em 1974, quando a ex-secretária Astrid Rizzi Pike decidiu oferecer escritórios virtuais a empresas recém-chegadas ao País. Num "triplex" da então charmosa Praça da República, centro de São Paulo, executivos que tinham de levantar um negócio a partir do nada encontravam a estrutura de que precisavam. Espaço físico, linhas telefônicas, mesas, cadeiras, máquinas de escrever, telex e, claro, secretárias. Quando a operação se estabilizava e a empresa ganhava enfim uma sede, os equipamentos ficavam com Astrid. As assistentes, não: seguiriam os chefes por muitos anos.
Astrid percebeu que tinha jeito para a coisa. "Comecei a fazer o recrutamento de secretárias, mas com uma condição. Eu tinha de conversar pessoalmente com o executivo", diz. Depois de colocar 600 assessoras no mercado, o trabalho cuidadoso e personalizado de Astrid fez escola.
A também ex-secretária Stefi Maerker resolveu, há cinco anos, ser uma "headhunter" de assistentes. Sua empresa, a SEC Secretary Search & Training, tem hoje clientes de peso como Arthur Andersen, Renault, Philips, Pepsico, Dow Química e Telesp Celular. "É um trabalho muito estimulante", diz. Segundo ela, as empresas procuram seus serviços porque não estão preparadas para buscar pessoal tão específico.
"Como só faço isso, é muito mais fácil encontrar a secretária ideal".
A especialização é a chave do negócio. É preciso, por exemplo, tomar muito cuidado com o temperamento de chefes e candidatas. Ninguém na empresa está tão sujeito a choques do que a secretária, pois ela é quem acompanha cada passo da vida profissional dos executivos. "Um executivo ansioso não pode ter a seu lado alguém que se contamine pela ansiedade; se ele for desorganizado, precisará de uma secretária com muito senso de organização", diz Ana Kramer. Parece óbvio, mas a razão de ser do serviço é justamente evitar problemas desse tipo.
A seleção obedece a critérios rigorosos. Estar no bando de dados de uma "headhunter" é importante, mas não decisivo. Longas entrevistas, exames de línguas aplicados por professores, referências de outros empregos; mesmo se o currículo da secretária estiver nos arquivos, o ritual impõe-se. "Acreditamos em tudo o que dizem no currículo, mas elas têm de provar", afirma Ana Kramer. Tal como seus similares no mundo dos executivos, as consultoras são pagas para não errar.
Ao final do processo, são apresentadas à empresa duas ou três finalistas. A última palavra é sempre do futuro chefe. Mesmo assim, há quem, como Astrid Rizzi, dê um prazo de seis meses de "garantia". Se a escolha não corresponder às necessidades, outra profissional é indicada para a função. "Mas elas costumam ficar anos", afirma a headhunter com segurança.
A relação especial com as corporações, fundada na confiança e nos resultados, estende-se às candidatas. Não há lugar para meias palavras. "Embora trabalhe para as empresas, visto a camisa das candidatas", diz Ana. Antes de ser encaminhadas, elas sabem tudo sobre suas funções, sobre a empresa e sobre seu chefe. "A transparência ainda é a melhor política", arremata Astrid.
AINDA HÁ RESISTÊNCIAS
Apesar de os serviços de recrutamento de secretárias executivas ganharem espaço no mercado, algumas empresas resistem a contratá-los. "Muitas empresas dizem que não querem gastar dinheiro para contratar assistentes", afirma Stefi Maerker.
No BankBoston, por exemplo, as secretárias são treinadas desde cedo pela própria empresa. "Não publicamos anúncios em jornais", diz a diretora de RH do banco, Mara Schild Vieira. Muitas vezes, as vagas são preenchidas por indicações dos próprios funcionários. Além disso, a instituição mantém uma página na Internet aberta à recepção de currículos.
Outra empresa que dispensa os serviços especializados é a Siemens. Segundo o diretor de RH da empresa, Carlos Fernando Damberg, as secretárias são tradicionalmente formadas na casa. Anúncios de jornais ou empresas de recrutamento, não especializadas, apenas em situação muito específicas. No caso em que a primeira pergunta da entrevista deve ser, em alemão castiço, "Sprechen Sie Deutsch?" (Você fala alemão?).
Se há resistência do lado das empresas, as "headhunters" também se recusam a fazer recolocação de secretárias. O anglicismo "outplacement" é palavra banida do repertório dessas profissionais. "Não faço recolocação porque não quero cobrar de quem está disponível no mercado", afirma Celina Mazza, da Global Executive Support, que atua no segmento desde o início do ano.
Stefi Maerker diz que recebe indicações das empresas quando uma assistente é dispensada, mas "outplacement" não faz. "Acrescento o currículo ao banco de dados", diz Maerker.
Já Astrid Pike aceita recolocar secretárias. Com uma ressalva. "Só com certeza de que, por suas qualidades, posso conseguir empregá-la", afirma. |