PERFIL

Publicado no jornal "O Estado de SP", de 4/5/99

De secretária a milionária na rabeira das ações de tecnologia

Como secretária, D’ Anne Schjerning tornou-se uma milionária.

Em 1994, Janes Clark, chefe dela na Silicon Graphics Ins., disse-lhe que estava saindo da empresa para abrir seu próprio negócio, uma empresa chamada Mosaic Communications. Ela perguntou se poderia ir com ele.

Clark ficou feliz ao saber que ela queria embarcar em seu empreendimento. E ela foi sua primeira contratação. Não haveria aumento do salário, apenas os mesmos US$ 53 mil por ano que ela já ganhava, mas ele acrescentaria 10 mil opções de compra de ações que permitiriam a ela comprar ações da Mosaic por meio centavo cada.

Para Schjerning, que hoje está com 58 anos de idade, o gesto não significava muita coisa. "Eu não sabia o que era uma opção de compra de ações", diz. Mas ela admirava Jim Clark, que, diz, é um sujeito inteligente e generoso, e ela achava que seu salário acabaria subindo no novo emprego.

Schajerning mal tinha idéia. Em 28 de novembro de 1994, a Mosaic mudou de nome, para Netscape Communications Inc., e no dia da abertura de capital da empresa a secretária de James Clark ganhou o equivalente a 20 anos de salário.

Ela, então, juntou-se ao pequeno, mas crescente grupo de secretárias milionárias da era da Internet. (Várias empresas americanas como UUNet, Ascend Communications Inc., e Cisco Systems, fizeram secretárias milionárias.)

Hoje Schjerning está aposentada, livre para jogar golfe, dirigir seu Dodge Durango e assistir ao noticiário financeiro na TV CNBC.

Planejamento fiscal

Não foi só a vida dela que mudou. O escritório da Associação Internacional de Profissionais Administrativos – uma organização de secretárias – em Newport Beach, na Califórnia, convidou um contador, Simon Pearlman, para falar sobre planejamento fiscal e opções de ações. Secretárias "estão tendo discussões que são muito parecidas com aquelas que os executivos tem", diz Pearlman, que tem um escritório de contabilidade em Irvine, também na Califórnia.

Uma agência de empregos para secretárias do Vale do Silício, a Palo Alto Staffing Services, há um ano vem se especializando em empresas de Internet recém-nascidas. Com isso, 70% das vagas preenchidas com assistência da firma são em empresas que oferecem opções de ações. Secretárias estão percebendo que "se você está numa empresa tradicional, vai ser melhor para você entrar numa empresa iniciante com opção de compra de ações", diz Cathy Searby, a presidente da companhia.

Anúncios procurando secretárias nos Estados Unidos já alardeiam o pacote de opção de ações – como um publicado dia 11 de abril, recrutando uma recepcionista para a Homestead Technologies, em Menlo Park, na Califórnia. E a busca está cada vez mais difícil. Dados do governo americano indicam que o número de secretárias nos EUA declinou de 4 milhões, em 1986, para 2,8 milhões em 1998.

"Eu merecia"

É claro que isso nem sempre enriquece as secretárias. Uma mulher entrevistada pela agência de Searby diz ter recebido pacote de opção de ações três vezes em empresas de informática – e foram três fiascos.

Schjerning, no grupo das sortudas, também não quer ser comparada a alguém que ganhou na loto. "Eu merecia cada centavo disso", diz. "Acredite."

Na verdade, Schjerning sempre soube que aquele novo emprego ia ser difícil. Ela chegava a trabalhar 16 horas por dia, ao lado de Clark, do engenheiro Bill Foss e do co-fundador da Netscape Mark Andreessen. Durante dois meses, ela teve de trabalhar na casa de Clark, numa mesa de TV.

Dia 8 de agosto de 1995, as ações da companhia começaram a ser negociadas na Bolsa de Nova York, a US$ 28 cada, e rapidamente subiram acima de US$ 70. Os funcionários da Netscape haviam sido aconselhados a manter a cabeça fria e evitar as noticias do mercado financeiro. Como secretária executiva, "eu tinha que agir controladamente", diz Schjerning. "Mas era difícil."

No final do primeiro dia de pregão, a ação da Netscape fechou a US$ 54. D’ Anne Schjerning, que morava num trailer, tinha US$ 1,08 milhão em papéis.

De lá pra cá, ela já vendeu todo o seu pacote inicial, faturando um total de US$ 1,2 milhão. Com o dinheiro, ela passou a pagar freqüentemente massagens, viagens para o México, ingressos para os disputados jogos de hóquei no gelo do time San Jose Sharks e um Cadillac branco.

Depois de se aposentar em 1997, Schjerning pagou US$ 365 mil pela casa onde mora hoje, num bairro rico em San Jose, Califórnia. Numa manhã de segunda-feira, no começo deste mês, o telefone a interrompeu enquanto assistia ao noticiário financeiro na TV. "Eu sei!", disse ela a uma amiga do outro lado da linha, uma secretaria da America Online Inc., empresa que havia acabado de comprar a Netscape. "A Ação da AOL está a US$ 170!" (Schjerning ainda tem algumas ações da AOL que ela comprou para o que chama de "conta de diversão".)

"Será que Schjerning saberia como usar donativos para reduzir o imposto a pagar?", perguntou a secretária, Jane Hoelker. Schjerning a aconselhou a falar com um contador. "Nunca pensei que um dia fossem me fazer perguntas como essa."