PERFIL

Artigo publicado na Revista Exame, dia 18 de junho de 1997.

Lembra da babá que o pajeava e atendia a seus telefonemas?
Pediu as contas

Primeiro chegaram as secretárias eletrônicas. Depois , o computador. Por último, a Internet e o e-mail. Todos esses avanços tecnológicos resultam em mudanças na vida gerencial das empresas. Atualmente as organizações são mais dinâmicas os executivos tornaram-se mais independentes. Resultado: aquelas secretárias tradicionais, especializadas em datilografar cartas servir cafezinho para o chefe, perderam o espaço. Ou melhor, ganharam novas funções. Escaladas pela reengenharia e pela onda de reestruturações que assolou as empresas daqui e lá de fora nos últimos anos (ninguém, como elas, viu de tão perto o corte de posições entre todos os escalões da empresa), as secretárias perceberam que, com a tecnologia, precisavam evoluir. Essa espécie de upgrade incluiu conhecimento de informática, domínio de línguas e, o principal, a capacidade quase sobrenatural de resolver imbróglios.

"A secretária atual é aquela que não leva problemas para o chefe, mas soluções", diz Astrid Rizzi Pike, sócia da Great Start, uma consultoria especializada no recrutamento de secretárias. Segundo Astrid, a secretária do passado deu lugar às assistentes administrativas de hoje. "Os executivos querem uma auxiliar versátil, que tanto tenha uma visão dos negócios da empresa quanto entenda de relações públicas", afirma Astrid. Acúmulo de funções? Isso mesmo.

Uma pesquisa feita pela Professional Secretáries International, entidade americana que congrega secretárias em diversos países do mundo, revelou que 78% das entrevistadas administram aquisição de materiais, 48,5% cuidam do treinamento e 32,9% supervisionam outros funcionários.

Algumas secretárias ainda vão além. Esse é o caso de Kátia Granelli Idalino, 28 anos, assistente da presidência da CPM, empresa paulista que atua na área de automação bancária. Há oito anos na empresa, Kátia tem atividades que vão da decoração da empresa à administração das aplicações financeiras do chefe. "Sou uma espécie de curinga", diz ela. Kátia ainda conta com uma equipe de mais duas auxiliares. Mesmo assim, o ritmo de trabalho é tão puxado quanto o de um executivo. "Não tenho hora para entrar ou para sair"", afirma. Por que tanto trabalho? "Porque os executivos de hoje delegam funções, mas também cobram resultados", diz Kátia. Além disso, é difícil encontrar hoje em dia uma secretária que sirva apenas a um chefe. O mais comum é que elas atendam a grupo de executivos dentro da empresa.

Na Ivix, uma empresa de serviços subsidiária da IBM, esse conceito já vigora há um bom tempo. Com 80 funcionários a Ivix tem apenas duas secretárias. Patrícia Alves de Oliveira, 25 anos, é uma delas. É ela quem atende o presidente e os três diretores.

Suas funções englobam o suporte à diretoria, o contato com os conselheiros e a responsabilidade pela área de satisfação de pessoal e qualidade. "Não tenho tempo para ficar servindo cafezinho para os chefes", diz Patrícia. "Aqui, todo mundo conhece o caminho para a máquina de café". Tal postura, que antes poderia ser tachada de arrogante, é aplaudida pelo principal executivo da empresa. "Ela já encaminha documentos e tarefas sem ter de passar por mim", afirma Antonio Carvalho, gerente-geral da Ivix. "Em troca de toda essa agilidade, vale a pena eu continuar atendendo ao meu telefone e tirando minhas cópias".

A redução das tarefas tradicionais das secretárias acontece, principalmente, em empresas com alto grau de informatização. Na Ivix, por exemplo, as secretárias não usam agenda de papel. Todas as informações são trocadas via Internet ou intranet, a rede interna de computadores da empresa. Na Kodak brasileira, os arquivos estão disponíveis pelo computador. Além disso, a empresa possui uma rede interna de telefonia que tanto manda como recebe recados e pode ser acessada de qualquer lugar do planeta. "Os executivos de hoje são menos dependentes das secretárias", afirma João Batista Ciaco, diretor de marketing da Kodak. Ciaco também divide uma secretária com outros diretores da empresa. Só que, em vez de formação em secretariado executivo sua assistente está concluindo o curso de administração de empresas. "Queremos alguém com potencial para assumir funções em outras áreas da companhia", diz Ciaco.

Embora a profissão seja regulamentada e exija o diploma de secretariado, as empresas valorizam outro tipo de formação. Na subsidiária brasileira da Microsoft, a assistente executiva Valéria Thomé de Oliveira, 36 anos, é formada em Comunicação Social pela Faap. Valéria atende o presidente da empresa, Mauro Not, e outros dez executivos. Foi ela quem organizou as visitas do patrão Bill Gates e de Steve Balmer, o segundo na hierarquia da Microsoft, ao Brasil. "Não ganho para ficar marcando reuniões, mas para planejar melhor o tempo dos executivos", diz Valéria, que estuda espanhol, domina o inglês e informática ("que hoje pode ser vista como outra língua", diz ela). Todos esses requisitos são recompensados financeiramente pela Microsoft. Como assistente executiva, Valéria tem direito a bônus no final do ano e a stock option (possibilidade de comprar ações da Microsoft a preços e condições vantajosas). Um tratamento semelhante ao de muitos executivos do mercado.

Empregabilidade - A remuneração das secretárias acompanhou o aumento de responsabilidades da função. Hoje, uma secretária de nível de presidência ganha, em média, entre 3500 e 4500 reais por mês. Para cargos de diretoria, o salário oscila entre 2000 e 2800 reais. os dados são da Benatti & Associados, uma empresa de headhunting de secretárias. Em compensação, os empregadores estão cada vez mais exigentes. Conhecimento de línguas, informática e experiência de trabalho são apenas requisitos básicos da profissão. "O Conceito de empregabilidade também vale para as secretárias", diz Heloisa de Ulhoa Friederichs, sócia da Benatti. "A profissional deve se firmar como uma prestadora de serviços dentro da empresa". Se não bastassem todas essas exigências, as ofertas de emprego não estão muito animadoras. Atualmente, a Great Start seleciona uma média de três secretárias por mês. N início da década de 90, eram cerca de sete contratações mensais. Contudo, ainda existem boas oportunidades no mercado.

Há 18 anos na profissão, Patrícia Cavallari Ottaiano de Azevedo era secretária de um executivo numa empresa multinacional. Com a transferência de seu chefe para o Rio de Janeiro, percebeu que teria de conseguir nova colocação. "Mas queria uma empresa que valorizasse o meu trabalho", diz ela. Patrícia, 35 anos, foi chamada para uma entrevista na Benatti & Associados. Acabou sendo escolhida para o posto de secretária da vice-presidência da consultoria Arthur D. Little, em São Paulo. Juntamente com as tarefas tradicionais, Patrícia se envolveu com o recrutamento interno de consultores, treinamento de pessoal e organização de Eventos/Cursos. Seis meses depois de contratada, era promovida para atender o presidente da consultoria, Moysés Gedanke. "Foi o reconhecimento pelo meu trabalho", diz Patrícia. Apesar dos avanços da tecnologia e da redução do número de secretárias por chefe, Patrícia não acredita na extinção da sua profissão.

Baseada em seu próprio exemplo, ela aposta na evolução natural da função como uma tendência definitiva. "Os executivos mudaram e nós ganhamos mais responsabilidades", diz ela. "Mas a maioria dos chefes ainda tem medo de perder nossa ajuda".

Geraldo Magella