Publicado na Revista Cláudia de março/98
O novo desafio da secretária
Elas ainda servem cafezinho e anotam recados, mas agora cobra-se delas mais autonomia e desenvoltura ao lidar com os negócios da empresa. Algumas profissionais contam como desempenham esse novo papel.
Invariavelmente às 8 horas em ponto, Anabela Lobo Ferreira Rodrigues, 39 anos, chega à sede da Shell Brasil, instalada num prédio moderno, em Botafogo, Rio de Janeiro.Secretária do presidente, o inglês David Pirret, ela começa o expediente verificando que compromissos o aguardam ao longo do dia. Depois de inteirar o executivo de sua agenda, Anabela despacha correspondências, retorna ligações, e, se for o caso, cuida do protocolo da viagem de membros da diretoria ao exterior ou da visita de convidados estrangeiros à companhia.
Além dessa tarefas, comuns a prifissionais do seu nivel, Anabela tem autonomia para tomar decisões que há até bem pouco tempo fugiam da alçada das secretárias: ela faz, por exemplo, cotação de preços com prestadores de serviços e fornecedores da presidência, para a qual organiza, se preciso, um coquetel de emergência.
Em seus dezesseis anos de Brasil, quinze de Shell, Anabela, que é portuguesa, vivenciou vários perfis de secretária, moldados de acordo com a cultura empresarial de cada época. Passou bem por todas as fases e encara com tranquilidade as atribuições atuais, desenhadas para empresas enxutas, nas quais, por obra da reengenharia, não há mais espaço nem verba para babás de luxo.
Perfil valorizado
Antes |
Agora |
Submissa
Dócil
Subjetiva
Mecânica
Disponível |
Autônoma
Empreendedora
Objetiva
Criativa
Acessível |
A profissional servil que de bloquinho em punho e sorriso nos lábios acata ordens - mesmo as que extrapolam suas atribuições - está em extinção. Testemunha ocular de sucessivos cortes nos departamentos, para se adaptar às exigências de um mercado de trabalho extremamente competitivo Anabela teve de se adequar à nova realidade, requalificando-se e ampliando a abrangência de suas tarefas.
Na era de Bill Gates, o trilhardário dono da Microsoft, e da globalização, o que se vê são profissionais multimídia atuando mais como assessoras de executivos do que como meras cumpridoras de tarefas operacionais. Esse novo papel, na verdade, reflete as mudanças também impostas aos chefes, que hoje , em nome da redução de custos, precisam ser ecléticos e versáteis para atuar em diversas áreas da empresa e, até, acumular cargos.
Adeus, submissão
Por tabela, as secretárias tornaram-se uma espécie de gerente de produção, com autonomia para deliberar sobre assuntos do dia-a-dia e para buscar soluções de problemas. Se antes apenas enviavam e recebiam correspondências, hoje coordenam o trâmite de papéis, administram os custos do setor e supervisionam compras. Ases da informática, elas se utilizam dessa imprescindível ferramenta de trabalho para agendar reuniões e compromissos - convocando os envolvidos por correio eletrônico interno -, redigir textos e elaborar relatórios de apoio para reuniões.
De submissas, passaram a empreendedoras. "A secretária trabalha lado a lado com quem decide. Para assessorar o executivo, precisa entender a empresa", argumenta Maria Elizabete Silva D'Elia, 45 anos, 21 de profissão, vice -presidente do Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo (Sinsesp) e diretora socio-cultural da Federação Nacional de Secretárias e Secretários (Fenassec).
Anabela, por exemplo, navega diariamente pela Internet em busca de informações sobre os concorrentes da Shell e de novidades sobre temas como o petróleo, inerentes ao seu trabalho. Os assuntos internos são acompanhados pela Intranet, espécie de Internet que conecta os micros de uma mesma empresa. "Sou muito curiosa. O que não sei, pesquiso, aprendo e faço", conta a secretária, graduada em Letras e fluente em cinco idiomas.
Tamanha bagagem cultural e discernimento são fundamentais em outra empreitada: assessorar o chefe no entendimento da intrincada burocracia brasileira. Ela teria menos tempo para isso se ainda dependesse da velha máquina de escrever ou vivesse soterrada sob pilhas de envelopes, na tentativa de se comunicar com o mundo. "Hoje, faço isso por e-mail", festeja.
Posição estratégica
Se fosse leiga em informática, em vez de comandar grupos de trabalho, Anabela certamente estaria apenas digitando um memorando para o chefe - tarefa, aliás, que a maioria deles já executa no próprio micro. "A secretária precisa dominar a tecnologia para ser um agente facilitador entre a companhia, os clientes internos e os externos", ressalta Maria Elizabete, que também é autora do livro Profissionalismo - Não Dá para Não Ter (Ed. Gente).
Ela considera que a regulamentação, em nível universitário, do curso de secretário executivo, em 1985, foi fundamental para valorizar a profissão. "Antes, só existia o técnico em secretariado. O recrutamento era subjetivo, baseado na aparência e em noções de datilografia", lembra.
Rotina de trabalho
Antes |
Agora |
Envio e recebimento de correspondências |
Coordenação do trâmite de papéis no departamento e de assuntos de rotina |
Abastecimento do setor com material de trabalho |
Coordenação de compras, cotação com fornecedores, administração dos custos da área |
Atendimento de ligações telefônicas |
Atendimento ao cliente |
Manutenção de arquivos físicos |
Manutenção de arquivos eletrônicos |
Execução de tarefas operacionais |
Gerenciamento de tarefas operacionais |
A projeção social recém-conquistada aumentou, em contrapartida, as exigências profissionais. "Para cada vaga de secretária, há cerca de 300 candidatas. Desse total, só entrevisto 1%", contabiliza Márcia Brito, diretora de recursos humanos da consultoria paulista Holistic, que recruta executivos e secretárias executivas para diversas áreas. "Elas precisam estar aptas a ocupar uma posição hoje tida como estratégica nas empresas."
As profissionais de nível técnico também não escaparam da malha fina. Diminuíram as chances de emprego para as que não dominam os softwares mais conhecidos, como Word (editor de texto) e Excel (planilha eletrônica), e um segundo idioma. Na IBM, a preferência é por quem esteja cursando uma faculdade e saiba falar inglês. Com o Mercosul, o espanhol também conta pontos. "É a tendência principal", garante Míssia Sueli Gambardela, 40 anos, gerente de suporte secretarial, uma espécie de agência de empregos dentro da própria IBM, que recruta secretárias para gerentes ou membros da diretoria. Quando o remanejamento não resolve, Míssia busca a profissional no mercado.
Média salarial por região
TÉCNICO EM SECRETARIADO
Norte/Nordeste: 600 reais
Centro-Oeste: 800 reais
Sudeste: de 1000 a 1500 reais
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Norte/Nordeste: 1000 reais
Centro-Oeste: 1200 reais
Sudeste: de 2000 a 2500 reais
O trabalho na empresa é árduo, já que cada secretária pode atender até dez gerentes de uma vez, numa espécie de pool (apenas os diretores têm secretária exclusiva).
Nos últimos anos, no processo de enxugamento que sofreu, a IBM cortou cerca de 50% das contratadas. Míssia é um exemplo entre as que conquistaram novos cargos. Há vinte anos, quando ingressou na sede paulista da empresa, trabalhava como secretária. Seu empenho e capacitação - é graduada em Administração de Empresas - levaram-na, nos últimos dez anos, a ocupar cargos de gerência.
Geração high-tech
"É uma loucura. O tempo é muito corrido. Temos que ser um pouco equilibristas para não deixar ninguém insatisfeito", compara Alessandra Luiza Lalin de Castro, 26 anos, há cinco na IBM-Rio, onde presta auxílio a cinco gerentes e, eventualmente, a um número maior, caso falte alguma das outras duas secretárias que trabalham no mesmo andar. Todos os compromissos são agendados on-line. "Os chefes do passado eram mais fechados. Hoje, temos uma linha direta com eles", diz, orgulhosa por pertencer à geração high-tech.
Uma das gerentes de Alessandra, Ana Carla Bom, 35 anos, considera imprescindível trabalhar com uma secretária empreendedora. "A falta de tempo é um problema grave e quero ser sucinta em minhas explicações: listar os principais tópicos do trabalho e deixar o resto por conta dela."
Ana Carla não precisa se estender, por exemplo, ao solicitar a preparação de transparências que serão usadas na apresentação de algum trabalho. Além de um programa específico de computador, Alessandra vale-se do próprio conhecimento para destrinchar o pedido da chefe. Bom senso e perspicácia são outras qualidades importantes de Alessandra, segundo a gerente. "Ela só interrompe uma reunião quando é mesmo necessário", elogia Ana Carla.
Em tempo: e se mandarem Alessandra buscar um cafezinho? "Sirvo numa boa", diz, com o discernimento de quem sabe diferenciar abuso de poder de um gesto de pura camaradagem.
Onde se reciclar
- Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) em vários Estados
- Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo (Sinsesp)
R. Tupi, 118, tel. (011) 862 0241, São Paulo, SP
- Assessoria em Recursos Humanos Manager
Em São Paulo: tel. (011) 263 9788
Em Campinas: tel. (019) 232 6199
No Rio de Janeiro: tel. (021) 240 9791
Em Belo Horizonte: tel. (031) 225 9455
Em Curitiba: tel. )041) 362 2976
Baixa remuneração
As atribuições aumentaram, junto com a cobrança para investir mais na carreira. "As exigências são numerosas, as jornadas de trabalho exaustivas e os salários baixíssimos. Tem secretária trilíngue ganhando 1500 reais. É um absurdo", indigna-se Gerarda Ribeiro de Freitas, presidente do Sindicato das Secretárias do Estado do Rio de Janeiro. "Para a função que exerço, considero-me bem remunerada", discorda Anabela, sem revelar quanto ganha. Mas a verdade é que há grandes variações nos salários, segundo a região e o porte da empresa. No Norte e no Nordeste, por exemplo, há secretárias executivas ganhando 1000 reais por mês.
Uma das lutas da federação, que representa 23 sindicatos estaduais e 1,5 milhão de secretárias de todo o país, é a criação de conselhos regionais, subordinados a um nacional. Já existe, nesse sentido, um projeto no Congresso. "Vamos poder normatizar o exercício da profissão, fiscalizando-a com critérios próprios", acredita Maria Elizabete. Assessorada no Sinsesp por Léa Bruno, 34 anos, uma eficiente secretária, argumenta com sua própria experiência. "Tenho fax, computador e celular. Mas se não delegasse tarefas não faria metade das coisas que preciso fazer a cada dia. Não sobrevivo sem secretária", confessa.