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(publicado no Jornal "O Estado de São Paulo, 27/2/97 - O novo perfil das Secretárias)
"Enquanto a taxa de mudança foi 'razoável', enquanto as coisas evoluíam num ritmo em que pessoas normais conseguiam acompanhar, não era tão difícil ser competente. Hoje, é quase impossível. A necessidade permanente de desconstruir o que se construiu, a necessidade de se mudar o que 'sempre deu certo', é o imperativo maior."
Clemente Nóbrega , no livro " Em busca da Empresa Quântica".
Num momento em que "competência" e "excelência profissional" tornaram-se exigências padrões num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, chega a ser assustador ler uma afirmação como essa de Clemente Nóbrega. No entanto, a cada dia temos constatado o acerto dessa colocação, nas mais diversas situações, quer sejam elas, pessoais, profissionais ou sociais. Somos quase que obrigados a reavaliar, a cada instante, nossas reações e atitudes.
Diversas profissões estão sendo completamente reformuladas, transformadas e algumas até extintas. As empresas, para sobreviver, procuram formas diferentes e inovadoras de gestão. Referências seculares deixam subitamente de fazer sentido, como o próprio dinheiro (papel-moeda) que se transforma cada vez mais em cartão.
É fácil concluirmos, portanto, que a profissão de secretária está longe de ser considerada uma exceção. Em breve retrospectiva, é uma profissão de origem nobre: por volta de 1500 antes de Cristo, quando era exercida pelas filhas de famílias ricas. Foi posteriormente se transformando. Passou pelo sexo masculino, no tempo dos escribas e retornou ao sexo feminino com a Revolução Industrial, uma das revoluções da humanidade, e também em decorrência das guerras entre as nações.
Nesse contexto, a profissão de secretária foi fortemente influenciada pela cultura patriarcal e pela posição inferiorizada das mulheres no mundo do trabalho. As conseqüências foram enormes. Durante décadas não fomos consideradas verdadeiras profissionais. Por mais experiente e competentes que fôssemos, era como se não tivéssemos capacidade para pensar sozinhas. Às secretárias, só eram delegadas tarefas repetitivas ou meramente operacionais.
As confusões de imagem entre o papel da "mulher" e o de "profissional" foram tão intensas, que interferiram tanto nas definições das atribuições das secretárias, quanto na avaliação da competência profissional. As secretárias, por tantos desvalorizadas e desrespeitadas, e elas mesmas experenciando a dualidade mulher-profissional, utilizaram, como escudo para a sobrevivência no mercado de trabalho, comportamentos até bastante compreensíveis.
Em conseqüência da formação autodidata, das deficiências do mercado no processo de recrutamento e seleção, da inexistência de critérios sobre o que significava "Ser Secretária", houve, por parte das Secretárias um uso inadequado do "poder. Percepções errôneas do que significava "triar contatos e informações" geraram posturas que tornavam - muitas vezes - o Executivo "inacessível", dando margem a caricaturas pejorativas em relação ao papel dessa profissional. O saber "tudo" do executivo e do "todo" da empresa, sem o devido preparo comportamental e técnico, fizeram com que muitas Secretárias se incorporassem de um "falso poder", onde refletiam o poder que o Executivo possuía.
Naquele tempo era comum a utilização de comentários "depreciativos" em relação a esse - inadequado - uso e acesso ao poder, ofuscando a visão sobre a real competência profissional e comprometendo a imagem da profissão.
O mundo e o mercado de trabalho não estavam "ameaçados" por tecnologia, informática, globalização, clientes, qualidade, de maneira que essa visão simplista, irreal, satisfazia não só a sociedade, mas a maior parte das empresas e - também - a própria profissional secretária, que deixou aflorar o lado submisso da mulher e não enfrentou adequadamente esta distorção de imagem.
Hoje, o mundo é outro. Temos alterações em quantidade, qualidade e velocidade em tudo que fazemos. O setor de serviços é o que mais cresce na economia. O importante é o cliente, a qualidade, a missão social de uma organização. O poder é o conhecimento e a informação. O melhor trabalho é o trabalho em equipe. E correr risco é uma ferramenta de trabalho diário.
Sob essa ótica é preciso reavaliar a profissão de secretária. Com forte presença no setor de serviços, que lida diariamente com pessoas e informação, que conhece e está em contato diário com o cliente interno e externo, que sempre trabalhou em equipe por ser o elo entre o executivo e as demais áreas da empresa - são observadoras privilegiadas dos sucessos, falhas e defeitos nos processos de trabalho, tão intenso é o volume de informações a que têm acesso. Ou seja, são profissionais-chave em qualquer estrutura empresarial moderna.
Um levantamento recentemente divulgado nos EUA coloca as secretárias em terceiro lugar entre as 10 profissões que mais crescem no mundo. No livro "O Trabalho das Nações", Robert Reich cita as secretárias como uma das profissões de futuro, quando nos classifica entre um seleto grupo de trabalhadores denominados analítico simbólicos. Resumidamente isso significa que a profissão engloba uma multiplicidade e diversidade de tarefas tanto repetitivas, como interpessoais e exige pessoas capazes de identificar e resolver problemas complexos, além de lidar com informações e clientes.
O resultado prático é que inúmeras empresas de grande porte, em especial as multinacionais, têm utilizado com sucesso as secretárias como um importante instrumento na modernização administrativa. Os objetivos podem ser atingidos com mais rapidez e facilidade, quando a secretária trabalha para difundir novos modelos e processos. Assim, os administradores reconhecem não só a capacidade dessas profissionais em assimilar o novo, como também o seu poder de difusão de informação e conhecimento dentro da empresa.
Em linhas gerais, a profissão vem crescendo quantitativa e qualitativamente no Brasil e no Mundo, mesmo num quadro de cruel aumento da taxa de desemprego. O setor de serviços expande-se aceleradamente. A cada dia, surgem novos tipos de empresa e novas oportunidades de trabalhos nas velhas empresas que se reestruturam. Aumenta também, no entanto, o grau de exigência na seleção de profissionais.
O mercado desdobra-se também em diferentes tipos de relação contratual. Há ofertas de contratação por tarefas, em tempo parcial, trabalho temporário, trabalho em casa, terceirização... No universo dos "super-executivos", voltam à cena até mesmo as antigas secretárias particulares, tão utilizadas há 30 ou 40 anos.
Diante desse quadro a legislação trabalhista brasileira tem se mostrado lenta e incapaz de acompanhar a velocidade das mudanças no mercado de trabalho. Assim, faz com que muitos trabalhadores não tenham seus direitos garantidos e respeitados pelo simples fato de que a forma de contratação não está devidamente prevista em lei.
Os 23 sindicatos estaduais de secretárias e a Federação Nacional (FENASSEC) têm trabalhado arduamente no sentido de atender as novas necessidades da categoria. De um lado, implantando programas de treinamento e reciclagem, orientação profissional, assessoria na montagem de currículos, bolsas de emprego gratuitas para seus representados, etc. Por outro, tentado incluir nos Acordos Coletivos firmados com o setor patronal, medidas efetivas de proteção às profissionais contratadas de forma não convencional pelas empresas.
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