Reportagem da Revista Exame – 24/3/99
Você não precisa mais ter secretária
Quem precisa de serviço é a empresa, não você.
Veja o que é necessário para transformar sua
Secretária numa profissional do futuro.
Acabou a época das secretárias. Se você sonhava com uma pessoa contratada exclusivamente para barrar os impertinentes, cuidar da sua agenda, dos seus documentos, dos seus pagamentos, dos contatos pessoais, esqueça. Essas profissionais estão em extinção – junto com as enormes salas de comando com mesas de mogno e os relógios de ouro recebidos de presente pelos 30 anos de serviço à empresa. Não é por maldade. As companhias simplesmente não têm mais condição de sustentar empregados para pajear outros. Com o enxugamento de pessoal, a evolução da tecnologia e a ênfase nos trabalhos por processo, o serviço das secretárias anda ameaçado. Conforme-se: você vai perder a secretária. Mas a sua empresa pode ganhar uma.
Ao contrário do que muita gente pensa, a tendência da profissão é prosperar, de acordo com uma pesquisa do departamento de trabalho do governo americano, que faz previsões para todas as profissões até 2006. Mas não para todo mundo: estamos falando de outro tipo de profissional. A secretária habituada a marcar reuniões, fornecer informações a clientes, atualizar arquivos, organizar viagens e apresentações e controlar a correspondência terá que aprender a atuar como gerente. Vai conduzir pesquisas, preparar relatórios estatísticos, treinar funcionários e supervisionar equipes. As que já perceberam a mudança ganham bem – a média é de 4.000 reais, chegando, em alguns, a 8.000, segundo a consultoria Great Start, de São Paulo. Muitas delas ainda fazem as vezes de babá de seus chefes, mas assumem cada vez mais responsabilidades. Veja o que você pode esperar de uma secretária do futuro:
- Ela é babá – de negócio
Secretárias que cuidam de todas as burocracias do chefe continuam existindo, embora para poucos. A lógica é que o tempo de um presidente ou diretor de empresas vale muito mais do que o de uma secretária, e o trabalho dela o deixa livre para produzir mais. Rita de Cassia Cabrera, por exemplo, é secretária de Rolim Amaro, presidente da TAM. Ela controla as finanças pessoais dele, o que inclui até as contas da fazenda em Ponta Porã. Mas fazer só isso não é mais suficiente. De acordo com a consultora Ana Maria Cadavez, da KPMG, em São Paulo, a prioridade agora é agregar valor para a organização. Rita percebeu isso e pediu para participar das reuniões anuais de planejamento estratégico da TAM. "Se eu entender as diretrizes para o ano seguinte, fica mais fácil saber o que passa pela cabeça do meu chefe e atender os clientes", diz.
Na Polaroid, Verônica Fraser, secretária do presidente e do diretor financeiro, mantém analgésicos e antiácidos na gaveta e costuma providenciar um lanche quando percebe que o trabalho do chefe vai se estender até a madrugada. Mas ela também fez parte do grupo de executivos que viajou para os Estados Unidos para assistir a um curso de qualidade na matriz da companhia e, ao voltar, ajudou a colocá-lo em prática na filial brasileira. "Não tenho medo de falar em público nem de fazer apresentações", diz.
- Ela é tradutora
Sim, saber se comunicar em uma segunda e às vezes em uma terceira língua é essencial, mas não é disso que estamos falando. Uma boa secretária deve servir de "antena" para o executivo, traduzir o clima organizacional para o chefe. Não se trata de contar fofocas. Trata-se de transmitir informações relevantes vindas de bastidor. Margaret Cintra, secretária do Presidente para o Mercosul da Cargill, tem um serviço que batizou de "rádio-corredor". Como já trabalhou para quatro presidentes, todos estrangeiros, é compreensível que ela saiba com maior precisão o que acontece na corporação. Mas no dia-a-dia de uma empresa nacional a situação é semelhante. O chefe não tem posição ideal para observar, porque sua mera presença transforma o ambiente. "Se julgo que o assunto é importante, eu falo", diz Margaret. Não como dedo-duro. Ela está sempre atenta à discrição que seu cargo exige e jamais revela suas fontes. "Faz parte do trato."
Notícias de ante-sala também são úteis, principalmente na hora do recrutamento. A observar algo diferente num candidato, Verônica, da Polaroid, não deixa de comentar. "Como não vou contar ao meu chefe que um aspirante à vaga tirou um cochilo bem na minha frente, ou fez um comentário do tipo ‘nossa, vocês trabalham sempre até tão tarde?’ quando eram 7 horas da noite?"
- Ela é autônoma
"As secretárias devem ser ágeis o suficiente para antecipar as necessidades do chefe", diz Astrid Rizzi Pike, sócia-presidente da Great Start, uma consultoria especializada no recrutamento de secretárias. Para isso, precisam de autonomia – o que depende da boa comunicação e de um alto grau de cumplicidade entre chefe e subordinada. Isso não acontece de uma hora para outra. "Às vezes até sei para quem o meu chefe quer telefonar, mesmo quando ele não lembra o nome da pessoa", diz Rita, que está na TAM há dez anos. Quando a profissional conhece o negócio, os clientes e as prioridades da organização, ela pode resolver muitos assuntos sozinha. "O executivo deve saber como usar a secretária", diz a carioca Paula Bravo da Costa Ferreira, que trabalha para um dos diretores mundiais da British American Tobacco. Ela tem um chefe que viaja muito, e o andamento do trabalho, muitas vezes, é feito de forma virtual. Maria José Contreras, secretária de Carlos da Costa André, presidente da Oracle do Brasil, sabe até onde pode ir ao tomar decisões. Enquanto seu chefe viaja, por exemplo, ela marca as reuniões que julga importantes. Uma das recentes foi agendada para terminar num carro, com André acompanhando o cliente ao aeroporto. "Eu sei que o Carlos quer muito esse encontro. Não preciso consultá-lo sobre isso", afirma.
- Ela pensa como executiva
Se a secretária for boa, mas boa mesmo, a empresa vai provavelmente perdê-la. Ela poderá até manter-se no cargo de secretária, mas será na verdade uma executiva. "Um diretor eu posso mandar embora, mas ter Verônica aqui é fundamental", afirma Carlos Alberto Júlio, presidente da Polaroid, sobre sua secretária.
Só há um caminho para essas profissionais: mostrar interesse para assumir novas responsabilidades e aprender mais. Fernanda Cunha, que trabalha para dois diretores de investimentos corporativos no banco Merril Lynch, está apostando numa pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas para dar impulso à sua carreira.
Margaret, da Cargill, procura aprender com os recursos disponíveis na própria empresa. Ela adora informática e colabora nessa área. De tanto fazer perguntas, virou entendida no assunto e já chegou a assumir a gerência de suporte do setor por quatro meses. Com as mudanças periódicas na presidência, ela também passou a responder pela elaboração dos relatórios semanais e mensais da filial brasileira. Margaret resume os relatórios de todas as áreas de negócios e os encaminha para a matriz. Em duas ocasiões, chegou a fechar o relatório anual sozinha. "Gosto de encarar desafios. Mas, quando o chefe manda, ele tem que justificar suas ações", diz. Margaret acredita que ainda há muita submissão no mercado e que essa é, sem dúvida, uma característica incompatível com os rumos que sua profissão está tomando.
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