Mídia sem memória - 11/2002
A grande imprensa está surpresa com a grande mobilização e clamor popular em torno da eleição de Lula para a Presidência da República. Os jornais não discutem outra coisa. "Líder populista, messiânico", arriscam os articulistas e, em função disso, os veículos convidam analistas para explicar esse novo fenômeno na política após as eleições.
É o Brasil sem memória histórica. Parece até uma orquestração para despolitizar o processo eleitoral de modo a tornar o seu resultado estanque e a-histórico. Estanque para dar a impressão de que surge do nada e a-histórico como se nada existisse antes que pudesse provocar esse resultado.
As grandes mobilizações políticas no Brasil não são novas. Trata-se de fenômeno que as elites econômicas e políticas sempre tentaram esconder e barrar no contexto político-social brasileiro.
Vamos à história. No Brasil, sempre que os setores explorados e subjugados da sociedade ensaiaram mobilizações políticas para defender seus pleitos e interesses as elites ameaçaram romper o processo democratizante em curso. Foi assim na assinatura da Lei Áurea em 1888. Esse fato deu-se em torno de grande mobilização popular. Ou seja, não foi fruto da benevolência dos
escravocratas arrependidos. Tempos depois ocorreu a mesma coisa no movimento pela legalidade em 1961. Após a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros o povo mobilizou-se para garantir a posse de João Goulart que setores da burguesia e das Forças Armadas queriam inviabilizar. Foi assim também no movimento pelas reformas de base no governo Jango antes do golpe militar de
abril de 1964.
De 1964 até então, sempre que o povo foi convocado a mobilizar-se em torno de projetos que viabilizassem o processo de abertura democrática o fez sem reservas.
1968 foi um ano internacionalmente histórico. Quem não se lembra da passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro, organizada pela UNE, contra a ditadura, pelo fim da censura e pelo retorno da democracia. E as grandes mobilizações populares em torno das Diretas Já em 1984. Esse movimento ganhou corpo e criou as bases políticas para a convocação da Assembléia Nacional
Constituinte. Dez anos antes, em 1974, o MDB derrotou fragorosamente a Arena, partido que dava sustentação à ditadura, elegendo a maioria dos governadores naquela eleição cheia de restrições e armadilhas legais.
Não esqueçamos o movimento pela anistia política que mobilizou importantes setores populares e da intelectualidade no final dos anos 70. Apesar das limitações desse processo que culminou com a anistia ampla, geral e irrestrita, em 1979, inclusive para os militares e civis que praticaram tortura contra presos políticos.
Papel importante jogaram as grandes greves dos metalúrgicos no ABC paulista, sob a liderança de Lula, liderança sindical construída em meio a essas grandes jornadas grevistas também nesse período de 1979.
Após a eleição de Tancredo/Sarney no Colégio Eleitoral, em 1984, instala-se a Constituinte que construiu uma das Constituições mais democráticas do Ocidente e isso foi conseqüência das mobilizações populares em torno dos vários temas debatidos naquele processo.
Em 1989, realiza-se a primeira eleição direta para presidente da República após 21 anos de ditadura. Disputaram no 2º turno Lula e Collor. Essa eleição gerou grande expectativa de mudança e, por conseguinte, provocou grandes mobilizações em torno da candidatura de Lula.
Já na disputa eleitoral de 1994, FHC, prevendo as expectativas represadas com a derrota de 1989, articulou no Congresso uma lei eleitoral proibindo cenas de mobilização popular e movimentos em torno da campanha de Lula, com as Caravanas da Cidadania. Esse artifício casuístico tornou aquela disputa burocrática, definida no 1º turno com o apelo do Plano Real.
Em 1998, com o advento da reeleição, o medo estimulado pelas crises internacionais foi o grande cabo eleitoral de FHC. O resultado não poderia ser diferente. FHC foi reeleito com o discurso da manutenção do Real como anteparo da crise anunciada. De lá para cá foram sucessivas crises, sempre resolvidas com a imposição de enormes perdas para a população brasileira. Os ajustes geraram altas taxas de juros, 12 milhões de desempregados e a falta de perspectiva de mudança assumiu o cenário na política brasileira.
Em meio a essas crises foram costuradas as alianças e os movimentos que culminaram na a eleição de Lula. Sob a palavra de ordem Agora é Lula, que ganhou corações e mentes, e produziu esse fenômeno social que resultou na vitória de Lula.
Esse resultado é fruto de contradições dialéticas originadas pela política de desconstrução do país patrocinadas pela burguesia brasileira, tendo como eixo central às políticas neoliberais gestadas de fora para dentro, implantadas no Brasil a partir da eleição de Collor e aprofundadas na era FHC.
Chamado novamente a posicionar-se o povo brasileiro optou por mudanças. As eleições municipais de 2000 balizaram esse processo. A esquerda saiu vitoriosa daquele pleito elegendo prefeitos e representantes municipais em importantes capitais do Brasil. A mudança estava anunciada. Portanto, essa vitória de Lula é fruto de amplo movimento da sociedade brasileira que
deseja construir de forma autonoma o seu destino.
Marcos Verlaine da Silva Pinto é assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).
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