POLITICA

Reforma da previdência no governo Lula

Antônio Augusto de Queiroz, 28/11/2002

O governo do PT, segundo declarações do assessor econômico Guido Mantega, pretende encaminhar ao Congresso, logo no início do próximo ano, uma proposta de reforma da Previdência que equipara as regras de concessão de benefícios e unifica os regimes de previdência dos trabalhadores da iniciativa privada e dos funcionários públicos, quebrando a paridade dos atuais aposentados e transferindo os servidores em atividade e os que vierem a ser contratados para o regime único, a cargo do INSS, cujo teto de benefícios e contribuição ficaria situado entre 10 e 20 salários mínimos.

Devagar com o andor. A proposta, aparentemente, destina-se a acalmar o mercado, atendendo às expectativas de redução dos gastos com as aposentadorias do serviço público, mas poderá produzir um efeito inverso ao pretendido, tanto do ponto de vista da expectativa, que tem tudo para ser frustrada, quanto dos pontos de vista econômico, político e social, conforme se verificará a seguir.

A proposta do governo FHC, que era menos radical do ponto de vista do servidor, e também pretendia reduzir despesa e agradar ao mercado, tinha sete itens: i) instituir idade mínima, ii) substituir tempo de serviço por tempo de contribuição, iii) instituir a previdência complementar para os futuros servidores, iv) quebrar a integralidade, com a adoção de um redutor, v) eliminar a paridade entre ativos e aposentados, vi) instituir cobrança dos aposentados e penisonistas, e vii) aumentar a alíquota de contribuição dos servidores para até 25% da remuneração.

O resultado, ao custo de um enorme desgaste político, uma corrida para aposentadorias precoces e quase nenhuma economia, foi a incorporação ao texto constitucional (Emenda Constitucional nº 20/97) de apenas dos três primeiros itens (idade, tempo de contribuição e previdência complementar), sendo que este último, fundo de pensão complementar para os servidores, ainda não foi regulamentado pelo Congresso. Além destes, o governo FHC, derrotado em nível constitucional, aprovou uma lei instituindo contribuição para os aposentados, mas o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, a considerou inconstitucional.

A de Lula, se for verdade o que os jornais publicaram, será mais difícil ainda, porque, além de provocar uma nova corrida para aposentadoria, aumentar a despesa de imediato, elevar o déficit dos regimes próprios, mobilizar os atuais aposentados e pensionistas contra, também terá enorme resistência dos governadores.

Em primeiro lugar, porque a unificação, se acontecer, não será para todos. Sob o fundamento de que a jurisprudência internacional recomenda um tratamento especial para os militares e magistrados, o Poder Executivo ou o Congresso certamente excluirá esses segmentos, quebrando a pretendida eqüidade de tratamento entre os servidores do Estado.

Em segundo, porque o governo foi eleito prometendo honrar contratos e se cumprir acordos com o mercado e quebrar a expectativa de direito, despeitando o ato jurídico perfeito, que foi o contrato assinado com os atuais servidores, estará criando dois pesos e duas medidas.

Em terceiro, porque em lugar de redução haverá aumento de despesa de imediato, tanto para o governo federal quanto para os estados e municípios.

A transferência dos atuais servidores do regime próprio para o INSS, por exemplo, significa que o governo (federal, estadual ou municipal) não contará mais com a receita de 11% do total da remuneração desses servidores, e terá que pagar para o INSS a quota patronal, que será de duas vezes a contribuição do empregado, num aumento imediato de despesa sobre a folha da ordem de 33% e sem nenhuma redução de despesa já que o ente estatal continuará pagando o salário dos servidores em atividade e todo o estoque de aposentados.

Em quarto, porque seria mais fácil e mais justo a unificação das regras para os futuros servidores, como prevê o projeto de previdência complementar (PLP 9/99), cuja votação exige quorum de maioria absoluta, muito mais fácil de viabilizar.

Em quinto, porque a reforma de previdência exige emenda constitucional, cuja aprovação requer o voto favorável de três quintos dos deputados e Senadores, em duas votações em cada Casa do Congresso.

O tema, como se vê, será dos mais polêmicos e um eventual erro em seu encaminhamento, poderá não apenas significar uma derrota política do governo, mas a inviabilização de outras reformas urgentes, como a tributária.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político. diretor de Documentação do DIAP e assessor jurídico da Fenassec.